A actividade principal cá de casa nos últimos dias tem sido afastar à vassourada os gatos vadios que andam a perseguir a pobre da gata para a consumação do amor. Não a minha actividade principal, mas a prima não perde uma vassourada.
A mitra (que já foi dionísio, quando achávamos que era um gato, e depois passou a dionísia e agora definitivamente mitra depois de ter sido adoptada, muito a meu contragosto, insista-se, cá por casa), coitada, anda a trepar paredes. Aquilo é um miar, uma
roça roça, um martírio, uma guincharia insuportáveis. Não fosse dar-se o caso de o raio da gata (ou a natureza, ou lá o que é) se opor tanto à satisfação das suas necessidades básicas e também ao facto de ser bem certo que estes gatos aqui das redondezas não usam qualquer método contraceptivo, e estar-me-ia borrifando para as aventuras sexuais desta recém-chegada ao mundo do cio.
Mas a verdade é que a gata, ao invés de dar livre freio à consumação, anda numa resistência, que já deve ter dado arranhadela de meia-noite, que esta gataria ferve tudo em pouca água, afinal é só uma fodinha e vai cada um para seu lado e depois os outros que aí vêm que se desenmerdem. Mas não. Esta gata não está com os azeites. Quer e não quer. Precisa mas não, não, afinal não. O pior é que nem sequer é uma questão de vontade, deve ser um jogo pré-fabricado geneticamente que os impele a todos a esta violência. E os gatos vão apertando o cerco. Ainda agora, há instantes, lá eles se sacudiam. E a mitrinha pelo meio.
Bem sei que feminismos não são para aqui. Longe de mim repudiar qualquer liberdade sexual. Mas há aqui uma evidente oposição de vontades. Se, por um lado, bem que desejo que a mitra se solte nestas andanças selvagens de sexo no pátio, por outro sinto-me impelida a protegê-la da selvajaria que estes gatos lhe impõem. Pois que a prima andou a investigar, ou alguém lhe disse sei lá, que não só a coisa mais parece uma violação (basta vê-los e ouvi-los, senhores), como acaba sempre com uma patada forte do gato sobre a gata, para afastar o resto dos gatos. A lógica deste testemunho escapa-me, pois não é então o cio que atrai os gatos? Ou é uma questão estética?
Ah, não, aquela cheira-me bem, mas está entrevadita, não me parece. Pois, não sei. O que sei é que o mijo destes gatos espalha-se de tal modo pelo pátio que o cheiro se alastra cá para dentro e já tenho recados para acender velas, não para afastar o mau-olhado mas para ver se acabamos com este malfadado (e malfodido) cheiro. Ah pois, agora fumo cá dentro, pois fumo, quero lá saber, porque o cheiro do tabaco é bem mais agradável.
Entre considerações sobre a merda de vida das gatas durante o cio, que isto não é vida para ninguém, consegui no entanto chegar a alguma conclusão existencial proveitosa. Mérito, claro está, para a minha prima, dada à psicanálise, entre outros assuntos antropológicos. De vassoura na mão, e apontando com tristeza para a mitra que se esfregava como se não houvesse amanhã no chão do pátio, largou estas belas e sábias palavras:
"Olha para aquilo.
Nós ao menos conseguimos disfarçar melhor."
Pois, de facto, ao menos isso. Parafraseando-a,
de que nos queixamos nós? Olhe-se para a mitra.