Odeio a palavra
criativo. Odeio-a quando aplicada a pessoas, a objectos, a resultados. Ok, de vez em quando aceito-a aplicada a processos, e... e... mesmo assim, é porque só aí pode ser aplicada com relativa justiça. A palavra
criativo é muito usada no meio da comunicação. "Temos de fazer um trabalho
criativo", "tens de ser mais
criativo" e até se usa para designar pessoas, uns tais de
criativos que supostamente são os que criam.
Bom, como operária especializada que sou neste mundo, já ouvi a dita palavra mais vezes do que poderia aguentar. Ouço-a e começo com urticária interna, uma espécie de comichão no cerébro. Pois o
criativo não se gere facilmente, muito menos se define do pé para a mão. Além disso, o profissional da área da comunicação/marketing/publicidade/design/etc. sabe que interessam sobretudo resultados e que o
criativo se resume sobretudo em agradar a um determinado gosto, uma determinada corrente. O profissional da comunicação sabe que a sua criatividade só pode chegar até certo ponto, porque no final essa irá ser aproveitada e desvirtuada até ao ponto em que se torne eficaz. O grau de empenho, logo a motivação, do suposto
criativo está portanto comprometido com essa consciência dos seus limites: a criatividade até pode ser sua, mas o resultado dificilmente será.
E porquê? O próprio processo da comunicação está assim construído. Construído em torno de diferentes mãos, diferentes cabeças, sob uma única arma: a decisão. Não sei de facto a quem cabe a decisão, nem quero alongar-me sobre isso, porque acredito até que o processo está feito de forma a que escape a um olhar externo (e até interno) o verdadeiro decisor (que provalmente nem existe). Mas não é com certeza ao
criativo, ao profissional da comunicação, que cabe a decisão. É isso que torna a sua motivação fraca, porque sabe que a sua
criação não sobreviverá incólume.
O verdadeiro acto
criativo, se é que existe, passa pela decisão do resultado, ainda que este possa ser marcado por limitações exteriores. Por isso, só o artista, o autor, cria. Porque decide. Faz a obra e o público tem simplesmente de frui-la, julgá-la. Tanto faz se o público a deita ao lixo ou se a eleva aos píncaros, ela está feita e foi decidida pelo seu autor.
A lamúria do operário especializado chega ao fim, quando sabe que efectivamente cumpre com o seu papel no processo de chegar aos resultados. Chega ao fim quando deixa de ter ilusões de grandeza criativa e se centra no que é suposto fazer para tornar o processo mais eficaz, já que o resultado não depende dele. O operário especializado recosta-se, exalta os artistas à criação e deixa a criação para a sua própria arte.
Porque o operário sabe que os autores criam e os profissionais da comunicação queriam.
Etiquetas: liberdade