quarta-feira, janeiro 31, 2007

Material de campanha

Como não consigo falar sobre isto sem me espumar e imaginar cabeças a explodir, aqui vão exemplos da aplicação da inteligência neste assunto, a favor do sim.


Discurso de Vasco Freire, Presidente dos Médicos pela Escolha

Sketche Gato Fedorento


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segunda-feira, janeiro 29, 2007

Sacana (post pessoal)

Ele pode ter acabado com o blog, mas os textos que me envia por email estão a tornar-se perigosos. Fazem-me querer enviá-los em meu nome. Isso costuma acontecer-me com canções, grande sacana! Estilo já tinhas, agora parece que estás a apurar a alma. Ouço bem a tua voz.

Bem hajas Manso. Publica!

deixo aqui um dos últimos, até porque o tal pátio é meu.


"Le Bassin de John Wayne

Um dia apaixonei-me por uma mulher mas antes disso arranjei um gato. Uma gata, mais precisamente, que veio cá para casa quando era muito pequena. Não bastando isso de andar a trazer bichos para casa, a mulher por quem me apaixonei não se apaixonou por mim mas apaixonou-se pela gata, que não se apaixonou por ela nem por mim. Mas a gata era toda olhos redondos da cor da folha de louro seca e olhava-nos profundamente sem desviar o olhar (era uma gata napolitana nascida num pátio do bairro da Graça).

Foi muito triste porque uma vez, quando estávamos eu, a gata e a mulher por quem me apaixonei todos na salinha da minha casa de bonecas, com a janela aberta para um belíssimo e cruel Agosto, foi muito triste, dizia, porque eu olhava a mulher que olhava a gata que a olhava a ela. Gata e mulher olhavam-se fixamente: na cara da mulher um enternecimento pela gata, na cara da gata um desprezo curioso pela mulher por quem eu me tinha apaixonado.

Eu olhava as duas e depois olhava para o Verão cruel e belíssimo da minha rua lisboeta e pensava: não me vou safar nem com uma nem com outra. Por isso, naturalmente, a mulher por quem me tinha apaixonado saiu da minha casa de bonecas perdendo-se nesse Verão cada vez mais cruel e belíssimo e a gata foi ficando e crescendo na minha casa de bonecas de uma rua lisboeta.

A gata cresceu e deu num bicho um pouco estranho. Passo a explicar: a gata que eu tenho faz lembrar alguém: passa pé ante pé entre nós e não podemos ficar indiferentes: a parecença é assustadora. Quem a vê pode pensar: esta gata faz lembrar alguém ou alguma coisa e não percebe logo com quem ou com o quê a gata se parece, e quando percebe finalmente com quem ela se parece, exclama para si: mas é óbvio! E é estranho. E é mesmo.

Esqueçamos por favor Cleópatra. Mussolini também não é para aqui chamado. Esta gata não é a encarnação de ninguém, é apenas um bicho que nasceu num pátio da Graça num dia de Abril, e tem olhos cor de folha de louro seca e um nariz cor-de-rosa. E mais: esta gata quase não ronrona, optando por um expressivo e intimidador "ronrosnar".

O que se passa tem mais que ver com o gingado e a minha gata maneia-se ao jeito de John Wayne. A forma como se aproxima, o jeito da cabeça e do olhar, mas acima de tudo o movimento da bacia, dos quadris, tudo isso é um decalque do andar de John Wayne. Estou a escrever isto e ela está a passar aqui agora. É mesmo, não há dúvidas, aquelas patas de trás, a bacia. Agora sentou-se e é outra vez uma gata, sentada num quadrado de sol na carpete suja.

É um pouco assustador quando a nossa gata imita sem saber uma característica muito particular de uma estrela de cinema dos anos cinquenta. Não é a mesma coisa que o meu irmão, quando era mais pequeno, ter chegado à conclusão que o seu pé, descalço, lhe fazia lembrar a cara de um jogador do Futebol Clube do Porto. Essa parecença era um pouco mais equívoca enquanto que aqui não há a mínima dúvida, tragam-me cá um perito da cinemateca e vão ver que ele corroborará.

Mas para ser sincero, incomoda cada vez menos conviver com o andar de John Wayne dentro de casa. O que me aleija mais é olhar a minha gata e ver nos olhos dela a lembrança, como um reflexo que nunca mais se extinguiu, do olhar da mulher por quem eu estava apaixonado.
"

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quinta-feira, janeiro 25, 2007

Roubo de presente alheio

No Natal, o miúdo recebeu* um livro chamado Têpluquê e outras histórias, uma reedição de textos de Manuel António Pina. Ele ainda não começou a mostrar grande interesse pelo livro, é menos "infantil" do que os outros livros a que se habituou e com ilustrações de Bárbara Assis Pacheco mais arrojadas do que o normal. Eu, pelo contrário, já comecei a mostrar interesse e tenho-me deliciado com algumas das coisas que lá estão, principalmente porque até há uma Ana que não sabia que outras pessoas podiam ter o mesmo pensamento que ela. Para ele, continuo a ler outro género, como por exemplo outro presente (oferecido pelas mesmas pessoas) que me obriga a tentar dizer, sem me engasgar toda, a palavra Eustreptospôndilo. Poderia parecer mais complicado que o imaginário do Têpluquê, mas por ser um nome de dinossauro com tendências necrófagas, pelo contrário, é mesmo "muita fixe".

Voltando ao livro e ao meu roubo temporário, fiz dele também o meu auto-presente antecipado de aniversário, devido ao poema inicial de 1980, que partilho agora convosco e se chama "À Ana no dia do seu Anaversário". Se há algo mais doce que isto...

"Havia uma flor!
Nem eu sabia
onde é que a flor havia,
mas tanto fazia.

Talvez houvesse
onde ninguém soubesse
ou fosse uma flor de estar a haver
só na minha imaginação,
ou não fosse uma flor, fosse uma canção.

Nem a flor sabia
que existia.
Em qualquer sítio, sem saber, floria.
E se fosse uma canção cantava e não se ouvia.

E isso acontecia
no meu coração.
Não sei se era uma flor se uma melodia,
era qualquer coisa que havia
e cantava e floria
dentro de mim sem razão.

Ia na rua e ninguém diria.
As pessoas passavam
e eu dizia:
«Bom dia!»
e ninguém suspeitava
o bom dia que fazia
em qualquer sítio
que dentro de mim havia!
Só eu sabia e sorria,
levando-te pela mão."


* Bem hajam, Inês e João.

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domingo, janeiro 21, 2007

On/Off & Mute

Alguns de nós, ou todos nós não sei, têm qualquer coisa da qual não se conseguem desligar, uma obsessão, uma ideia fixa. Já o vi em muita gente e reconheço-o tão bem em mim. Por muito que façam on a outras coisas, há uma a que nunca fazem off. Pode ser o trabalho, um filho, uma causa, um trauma, a família, o amor, o que for. E esse on lateja dentro de si em todas as outras coisas que fazem, sempre presente, sempre a rodar, sempre zunindo. É o on que põe tudo o resto off. Na vida, no dia-a-dia, cada um de nós com este on constante vai ligando e desligando das diferentes tarefas que tem pela frente, dos diferentes sentimentos que atravessa, ligando e desligando das conversas, dos haveres, das obrigações, das circunstâncias. Faz o que tem a fazer ligando-se, para logo a seguir se desligar. Mas nessa ideia fixa indesligável, muitas vezes porque não consegue noutras porque não quer ou simplesmente porque não existe de facto, não encontra o botão off. É essa ideia fixa que torna cada um de nós o que é, que marca a sua acção, a sua passagem na vida, é o motor, o drive, a motivação, a cegueira. É o que permite grandes conquistas e grandes destruições.
Sem pretensões médico-psico-coiso, resta a este obsessivo-compulsivo ter a capacidade de regular o volume desse constante on, regulando assim a sua habilidade em estar no mundo, entre as grandes conquistas e as grandes destruições. E às vezes, para atravessar os dias, só resta mesmo o botão do mute, em que, embora ligado, embora se saiba que está lá, o on fica em silêncio.

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quarta-feira, janeiro 17, 2007

O queixume do operário especializado

Odeio a palavra criativo. Odeio-a quando aplicada a pessoas, a objectos, a resultados. Ok, de vez em quando aceito-a aplicada a processos, e... e... mesmo assim, é porque só aí pode ser aplicada com relativa justiça. A palavra criativo é muito usada no meio da comunicação. "Temos de fazer um trabalho criativo", "tens de ser mais criativo" e até se usa para designar pessoas, uns tais de criativos que supostamente são os que criam.

Bom, como operária especializada que sou neste mundo, já ouvi a dita palavra mais vezes do que poderia aguentar. Ouço-a e começo com urticária interna, uma espécie de comichão no cerébro. Pois o criativo não se gere facilmente, muito menos se define do pé para a mão. Além disso, o profissional da área da comunicação/marketing/publicidade/design/etc. sabe que interessam sobretudo resultados e que o criativo se resume sobretudo em agradar a um determinado gosto, uma determinada corrente. O profissional da comunicação sabe que a sua criatividade só pode chegar até certo ponto, porque no final essa irá ser aproveitada e desvirtuada até ao ponto em que se torne eficaz. O grau de empenho, logo a motivação, do suposto criativo está portanto comprometido com essa consciência dos seus limites: a criatividade até pode ser sua, mas o resultado dificilmente será.

E porquê? O próprio processo da comunicação está assim construído. Construído em torno de diferentes mãos, diferentes cabeças, sob uma única arma: a decisão. Não sei de facto a quem cabe a decisão, nem quero alongar-me sobre isso, porque acredito até que o processo está feito de forma a que escape a um olhar externo (e até interno) o verdadeiro decisor (que provalmente nem existe). Mas não é com certeza ao criativo, ao profissional da comunicação, que cabe a decisão. É isso que torna a sua motivação fraca, porque sabe que a sua criação não sobreviverá incólume.

O verdadeiro acto criativo, se é que existe, passa pela decisão do resultado, ainda que este possa ser marcado por limitações exteriores. Por isso, só o artista, o autor, cria. Porque decide. Faz a obra e o público tem simplesmente de frui-la, julgá-la. Tanto faz se o público a deita ao lixo ou se a eleva aos píncaros, ela está feita e foi decidida pelo seu autor.

A lamúria do operário especializado chega ao fim, quando sabe que efectivamente cumpre com o seu papel no processo de chegar aos resultados. Chega ao fim quando deixa de ter ilusões de grandeza criativa e se centra no que é suposto fazer para tornar o processo mais eficaz, já que o resultado não depende dele. O operário especializado recosta-se, exalta os artistas à criação e deixa a criação para a sua própria arte.

Porque o operário sabe que os autores criam e os profissionais da comunicação queriam.

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sábado, janeiro 13, 2007

Dúvida de divã

E se o super-homem fosse viciado em kriptonite?

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quinta-feira, janeiro 11, 2007

A história a acontecer

A um mês do referendo, as coisas agitam-se. Há 15 movimentos pelo não e 5 pelo SIM. Sinal do capital ou do fanatismo aliado ao não. Mas a chamada Sociedade Civil mexe-se, alia-se, activa-se, reúne-se.
Quando se discute o aborto, até mesmo entre partidários da mesma posição, os olhos abrem-se, as veias incham, as vozes alteram-se. Já assisti muitas vezes. Já o fiz ainda mais vezes.

Quando andava no 7ºano, lembro-me de me ter exaltado tanto num debate na sala de aula por causa da questão do aborto que percebi que aquela raiva duraria muito tempo. Enquanto houvesse pessoas capazes de defender a santa vida em detrimento da saúde, da paz e principalmente da vontade. Nessa manhã, há mais de quinze anos, antes de ter chegado à escola, tinha ouvido na rádio uma história de maus tratos infantis. Dessas mesmas histórias que se ouvem agora. Falei disso no tal debate com miúdos de 13 anos, em que a maior parte manifesta indiferença e há dois que se decidem confrontar e um deles (neste caso eu) está disposto a tudo. Percebi que a minha raiva iria durar muito mais.

A minha posição sobre o aborto é obtusa, é apaixonada, é cega. Está longe de cumprir com a livre troca de ideias. No entanto, graças a esta palhaçada do referendo, obrigo-me a sentar e a tentar falar de forma correcta para as pessoas sobre este assunto.

Aqui, não preciso de o fazer. Posso-me espumar à vontade. Vamos acabar de uma vez com esta merda, com esta vergonha, com esta hipocrisia, com esta violência, com esta carnificina! Vamos matar esta lei. Vamos dizer SIM, vamos mudar. É tudo o que quero. Eles que se preparem.

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