Hoje é o Dia Internacional da Mulher. Em 2008, ainda se ouvem os tais comentários habituais a questionar sobre a necessidade de um dia destes. Como ouvi hoje um senhor que ia comprar flores para a “namorada”, que perguntava à florista em tom gozão se havia um dia do homem, enquanto ia soltando frases romântico-pastoris como “nós sem as mulheres não éramos nada”.
A primeira resposta para o senhor estava mesmo à sua frente: o valor comercial do dia. Já assistimos há algum tempo a este fenómeno de despolitização de um dia ainda (e durante muito tempo parece-me) tão necessário. Dar e receber flores nunca fez mal a ninguém, mas quando acontecimentos como
este tentam ser protagonistas da “mensagem” deste dia, exortando o “mundo do feminino”, com os seus tratamentos de beleza, a última tendência da moda, os conselhos para a maternidade, as melhores receitas e ainda dicas para o sexo, algo está intrinsecamente podre. Não tenho nada contra tais temas, se pudesse passava todo o santo dia no spa (pronto, é exagero, mas é para dar mais ênfase à argumentação) e quem me dera surpreender diariamente tanto na cozinha como na cama. E vai-se a ver esta é mais uma tendência do capitalismo – há mais
empowerment de um determinado grupo social quanto maior for o seu poder de compra e, vá lá, já uma minoria de mulheres que tem capital social.
Mas o “mundo do feminino” está longe de se restringir ao simpático enclave criado este fim-de-semana no Centro de Congressos de Lisboa. Está à porta de casa, dentro de casa, nos empregos, nas prisões... e isto só para falar em Portugal porque, se formos ao resto do mundo,
feel woman não uma
feel good sensation - é motivo de ódio, violência, diminuição, discriminação, ausência de direitos sociais e políticos. A nível global, nascer mulher é ainda a maior das fatalidades. E não são as "coitadinhas do 3ºmundo", somos nós, nós todas que estamos lá.
Ontem, sairam duas notícias no Público sobre a "nossa" realidade, a portuguesa.
Uma enunciava aquilo que já todos ouvimos centenas das vezes: que as mulheres recebem muito menos que os homens com a mesma qualificação, que continuam dependentes financeiramente em muitos casos dos seus companheiros, alimentando esta sociedade viciada no poder fálico. Ao sistema do feel woman não deve preocupar muito, porque sabe-se lá os homens eventualmente abrirão os cordões à bolsa para "aperfeiçoar" as suas esposas.
Outra anuncia o inimaginável: as reclusas em Portugal não têm direito a visitas conjugais, talvez porque se calhar só os homens terão desejo sexual, vá necessidades.
São apenas duas notícias, a que poderíamos com certeza acrescentar dezenas só deste cantinho do mundo civilizado. Há um Dia Internacional da Mulher, porque milhares, milhões provavelmente, de mulheres lutaram ao longo de séculos e milénios por um mínimo de igualdade entre géneros. Porque, ainda nas primeiras décadas do século XX, eram negados às mulheres os direitos de votar, de exercer uma profissão, de ser autónoma na sua vontade, numa palavra o direito à liberdade.
Podem criar todos os produtos dedicados à figura feminina, venham eles!, podem fazer o que quiserem todo o ano, mas raios parta honrem este dia, porque ele tem um propósito. E não é um fácil. É o mínimo que podemos fazer por todas as mulheres e todos os homens que lutam e lutaram por uma sociedade melhor e mais justa.
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