quarta-feira, maio 31, 2006

Sobre projectos de vida V

"- Sabes? O meu problema é que o meu único projecto de vida é amar.

- Pois... esse também é o meu problema.

- Sim...

- E por causa disso amamos mal.
"

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120 11:45 112

Ontem na Ponte Vasco da Gama, quando voltava de um serão bem passado com dois detentores das "chaves do meu coração", vi um carro parado à beira da estrada. Abrandei um pouco para os 120 e olhei. Vi um homem fora do carro a subir para a vedação e depois a alçar a perna. Não me pareceu que fosse da manutenção. O meu coração disparou e a velocidade do meu carro abrandou. Peguei no telefone e liguei para o 112. Estive mais de um minuto à espera que me atendessem. É UM NÚMERO DE EMERGÊNCIA OU DE INFORMAÇÕES? Finalmente atenderam, já estava eu quase a sair da ponte. Expliquei. Está um homem no meio da ponte vasco da gama e vai saltar! Ele vai saltar! Mas eu sabia que ele já tinha saltado. Não é possível que alguém páre o carro no meio da ponte, deixe as luzes acesas, passe para "fora" da ponte e reconsidere. Ou será que foi possível? Do 112 passaram-me para a GNR. Lá expliquei outra vez. Entretanto, os minutos pareciam horas, o tempo estava mais lento. Ou mais acelerado talvez, vi a perna do homem a contornar a protecção. Ia saltar. Ia mandar para lá alguém, disse-me o agente. Disse obrigado, desligou. Eu continuei o meu percurso até casa, a pensar no que é que faz um homem saltar de uma ponte. Imaginei todo o seu sofrimento. Pus-me no lugar dele. Não consegui, mas estava no lugar dele. Quantas pessoas àquela hora no mundo estariam a fazer o mesmo? Quanta dor estaria presente em almas, corpos, numa só alma, num só corpo? A humanidade toda conduzia comigo naquele instante mas ainda sentia a minha voz a falar dentro de mim. Ainda era eu, individual, mas sentia o raspão da humanidade, a ferida aberta, a dor de uma única pessoa, a de todas. Em catadupa, como um vómito, um espasmo, veio-me a vida. O amor pela vida. Senti vontade de me agarrar a ela. Amei a vida tanto naquele instante, inexplicavelmente, sem razão, com todas as ganas, sem temor, apenas com anseio. Agarrei-me a ela. Vi um carro passar a alta velocidade quase a apanhar-me, vi o instante em que alguém alça a perna para saltar e o instante em que tudo se perde. Amei a vida, sem perceber porquê, pois só via a dor. Agarrei-me a ela. Com força. Terá ele saltado com a mesma força? Para onde foi o amor dele? A sua esperança?

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terça-feira, maio 30, 2006

Vigília

Só agora é que percebi que, nestes últimos anos em que andei a dizer que não se controlam os sonhos, estava realmente a pensar que, por oposição, se controlava a realidade.

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domingo, maio 28, 2006

E uma valente dor de cabeça até compensa


Porque o cinema também é um acto de exorcismo. Neste caso (Freedomland), para exorcizar um grande terror, senão o maior terror humano.


E porque está lá a Julianne Moore.

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sexta-feira, maio 26, 2006

Saída





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Saída





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domingo, maio 21, 2006

Educação musical

No carro, no programa "M" da Antena 3, passam uma sequência com músicas da Aretha Franklin: "I say a little prayer", "Chain of fools" e "Respect".

Viro-me para o puto e digo-lhe:
- Ouve, esta é a rainha do soul! [já introduzi a Rainha do Pop (Madonna), simplesmente o Rei (Caetano), a dançar Partimpim e a gritar Maneeeeela]
- A Rainha do Sol?
- Não, não é do Sol, é do sooouul.
- Quéiço?
- É este estilo musical. [esbracejo para ele perceber] O soul. E ela é a Rainha.
- Mas é ou chama-se assim?
- Não, é a Rainha, mas chama-se Aretha Franklin.
- Ah.

Ouvimos mais um bocadinho. Ele pergunta-me o que ela está para ali a dizer. Felizmente já estamos no "Respect". Transcrevo as partes que me interessam mais, "quero é respeito" e "os teus beijos são mais doces que mel".

- Isso é cassete ou rádio, pergunta-me.
- É rádio.
- [desiludido] Oh! Se fosse cassete, levava para a escola para mostrar.


Que orgulho! Se eu tivesse tido a mesma visão que o puto, não teria demorado quase vinte anos para redescobrir os ABBA. Em vez de chagar o meu pai para arrancar a cassete do leitor nas viagens para a terra, deveria ter-lhe pedido cópias para a escola. Pensando bem, NÃO, porque isso também se aplicaria ao Richard Clayderman e, hoje, poderia estar a passar ao puto a beleza da música instrumental, passando tardes em elevadores.

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Sobre projectos de vida IV

"- Avô, tu estavas apaixonado pela avó?
- Como um boi."

Herman, de Lars Saabye Christensen

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Vida de bairro

No fim do banho matinal, quando se estava a vestir, viu-os da janela. Os seus amigos da porta ao lado estavam na rua a jogar à bola.

- Olha, os meus amigos estão lá fora a jogar à bola.

Reflecti uns instantes, embora já soubesse que a minha melancolia suburbana de infância de bairro que nunca tive fosse vencer.

- Queres ir brincar com eles?

Ele, todo nu, começou a gritar por eles com a janela fechada.

- Anda, miúdo, tens de te vestir primeiro. Estás todo nu.

Excitadíssimo, ainda me questionou se iria com ele. Disse que não, que ficava a vê-lo da janela, mas que ficaria pouco tempo, porque íamos almoçar em breve. Fiz-lhe dez mil recomendações, pus-lhe creme na cara, boné na cabeça e, ala, que se faz tarde. Pus-me à coca na janela. Corria atrás da bola, sem a mínima noção do que estava a fazer, mas com um jeito inato para celebrar o golo. Ainda tive uma esperança secreta que os miúdos fossem do Sporting, para ver se desequilibrava o que uma miúda fez na escola, pondo-o fã do Benfica, mas não tive sorte. Às tantas gritaram mesmo o nome do clube do qual sou anti, mas tudo bem. O miúdo estava a jogar à bola na rua e estava em delírio.

Passado cinco minutos, ouvi a voz da velha. A velha louca da rua. Do seu 2º andar gritou com os miúdos por causa dos carros, que poderiam amolgar com a pequena bola. Acrescentou o comentário racista: "merda, esta gente nunca mais sai daqui". Foi exactamente o que pensei acerca dela. Eles praticamente não reagiram e fizeram bem. Passados mais uns minutos, ela volta a aparecer à janela, já depois de eu ter chamado o miúdo para almoçar. Saí para ir buscá-lo. Quando apareci à porta, a estúpida da mulher já estava na rua, de robe vestido, preparando-se para fazer queixa à preta. A sua figura, de robe e sapatos calçados, a gritar no meio da rua de como as crianças não podiam estar o dia todo na rua, porque lhe faziam dores de cabeça, metia asco. Principalmente por o problema não serem os gritos das crianças, mas a cor da pele das ditas. Nem por um momento ela olhou para mim, como se eu estivesse isenta de responsabilidades, como se nós não pudéssemos ser alvo de queixas. Obviamente nenhuma das suas queixas era válida, nem para nós, brancos, nem para eles, pretos. Mas é sempre mais fácil o argumento tu não és daqui, não tens direitos nenhuns. Não disse nada. Deveria ter dito, vendo à distância, mas era como se assistisse da bancada: a maluquinha de robe vs os pretos pobres. Como se, na minha postura de branca classe média culta sem problemas mentais vamos mas é almoçar que a seguir vamos ao teatro já tivémos o nosso momento popular, aquela não fosse uma questão minha. De facto não era, sendo-o ao mesmo tempo profundamente.

Quando o miúdo entrou, disse-lhe que ele tinha jogado muito bem e disse mal da velha. Vida de bairro é fixe, mas há limites. Ninguém manda na rua.

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Sobre projectos de vida III

Vem devagar.

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sexta-feira, maio 19, 2006

Sr. Agente, por favor...

Páre de alimentar a minha megalomania narcísica!
Ontem, cheguei ao carro e todos os veículos que o rodeavam estavam multados, excepto o meu.

Das duas uma: o sr. agente esgotou o livro de multas naquele instante, aumentando assim a minha ideia que alguém "maior" zela por mim e que tenho uma ganda sorte, ou o sr. agente é gay, e gostou de saber que nós, lá no carro, "gostamos de gays", decidindo por isso recompensar-nos.

Eu cá aposto nesta última e até acho que o sr.agente ainda tentou entrar para a marinha, antes de tentar a polícia.

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Sobre projectos de vida II

Minha Música (1994)
Adriana Calcanhotto

Minha música não quer ser útil
Não quer ser moda
Não quer estar certa
Minha música não quer ser bela
Não quer ser má
Minha música não quer nascer pronta
Minha música não quer redimir mágoas
Nem dividir águas
Não quer traduzir
Não quer protestar
Minha música não quer me pertencer
Não quer ser sucesso
Não quer ser reflexo
Não quer revelar nada
Minha música não quer ser sujeito
Não quer ser história
Não quer ser resposta
Não quer perguntar
Minha música quer estar além do gosto
Não quer ter rosto, não quer ser cultura
Minha música quer ser de categoria nenhuma
Minha música quer só ser música:
Minha música não quer pouco.

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quarta-feira, maio 17, 2006

Da Vinci, da trinti, da quarenti - post snob

Alguém me explique como é possível eu interessar-me pelo Código da Vinci, o filme, quando o livro me passou ao lado, com dois actores como o Tom Hanks e a Audrey (sem testa) Tautou a protagonizá-lo? Que imenso turn off. E ainda por cima claramente sem cenas de romance...

Que maçada! Odeio quando a cultura Pop não me cativa.

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terça-feira, maio 16, 2006

O grito

"Ficam assim um instante, sem saber o que dizer um e outro, e não se lembram de nada. É como se todas as letras da língua se tivessem transformado nas suas bocas em palavras impossíveis de uma língua estranha."

Herman, de Lars Saabye Christensen

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segunda-feira, maio 15, 2006

Lisboa muito à frente

Este fim-de-semana, fiz uma pequena tour turística pela cidade. Sábado tentei ir ao Castelo de S.Jorge com o miúdo, mas havia uma competição de BTT, com grandes saltos e acrobacias, que cortava o trânsito e as ruas e empoleirava fãs (sim, fãs) em cima de andaimes. Lá nos esgueirámos até à porta em que o outro senhor ficou entalado, mas estava uma fila interminável de turistas para a bilheteira. Desistimos e fomos de eléctrico até ao Chiado, combinando que Domingo de manhã regressaríamos ao Castelo. No Chiado, fizémos uma das suas actividades favoritas: ir à fnac ver todos os livros infantis que se consegue.

No Domingo, lá regressámos. Desta vez de carro, porque já se estava mesmo a ver que aquela subida ia custar e, mal por mal, gastar dinheiro no parque ou no eléctrico vai dar ao mesmo. E ainda bem, porque tive a oportunidade de experimentar algo totalmente novo e moderno e impressionante: o parque de estacionamento das Portas do Sol.

As portas da garagem estavam fechadas e pensei que o parque estivesse encerrado. Quando me preparava para fazer marcha atrás, aparece-me um sujeito e a cancela abre-se. Logo em seguida, uma das duas portas abre-se para um cubículo. Tenho de colocar as rodas no sítio correcto e, apesar do esforço, nem pestanejar. São quatro paredes para enclausurar o carro. Aquele é o parque.

Não devem estar a entender nada, o que compreendo porque eu própria tenho dificuldade em entender. Depois de algumas tentativas para "encaixar" o carro, posso sair do veículo. O chão que piso é de metal e com um sistema rotativo. Leio os sinais certifique-se que não deixa nenhum ser vivo dentro do veículo e mais É expressamente proibido deixar animais dentro do veículo. Que medo! Tiro as chaves, fecho o carro. Saímos do cubículo. O senhor pede-me para carregar num botão da maquineta. Lê-se: A verificar a viatura. Penso na desarrumação. Sai um cartão. A porta da garagem fecha-se. Sei que quando voltar a abrir o meu carro não vai estar lá.

Fico naturalmente impressionada e partilho-o com o puto. Elaboro diversas teorias sobre onde o carro ficará, desde prateleiras a cacifos gigantes. De uma coisa tenho a certeza: onde quer que tenham posto o carro, foi realmente posto, colocado por máquinas, um submundo futurista em que um computador decide, dada a verificação efectuada, em que cacifo fica este.

A bilheteira tem menos gente, apesar de ter bastante. Tanto eu como ele estamos isentos, por residirmos em Lisboa e menores de 10, mas temos de levantar bilhete. Peço esclarecimentos sobre a possibilidade de, como moradora, evitar as filas. O senhor fala-me de um formulário e de um carimbo da Junta. Percebo tudo. Alta tecnologia, bilheteira vistosa, sistema de entrada do mais moderno que há, mas, ainda assim, tudo se resume ao papel, qual papel.

No castelo imaginamos obviamente, mesmo estando a decorrer a Feira Mix com objectos de Design, que somos os primeiros a lá chegar. Não naquela manhã, porque afinal são quase duas da tarde, mas na História. Lá tento dar algumas dicas sobre Portugal e essas coisas, mas o ponto alto da sua atenção parece ser a ausência de papel higiénico na época. Entendo-o.

Quando saímos, pergunto-lhe pelo carro. E se agora viesse outro carro em vez do nosso, um maior e mais moderno? Ele parece ficar entusiasmado. Eu digo-lhe que é impossível, porque continuo com as mesmas chaves no bolso. Ele explica-me que se calhar há uma máquina para fazer umas chaves para nós. Não aguento e volto rapidamente à realidade. Imaginar o meu carrinho num cacifo sujo, abandonado... coitadinho.

No regresso, lá pagamos e carregamos no botão. Ficamos impacientemente à espera que uma das portas se abra para um cubículo com o nosso carro lá dentro. Uma das portas abre-se e ele aparece. Vivo, ou pelo menos com o seu aspecto de sempre, mas, lá está, virado para a frente. As máquinas, que inteligentes e jeitosas. O miúdo começa a investigar o chão, mas eu já não estou para brincadeiras, estou realmente preocupada em ser sugada para o submundo futurista das máquinas, em que se põem veículos ao lado de latas de ervilhas ou de peúgas sujas da ginástica.

Puto, mete-te dentro do carro já!

Parto aliviada e com a sensação de que vivi uma grande aventura. Ainda estávamos nós preocupados com a possibilidade de cairmos do alto do castelo.

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Sobre projectos de vida

Xote das Meninas
Marisa Monte
Composição: Luís Gonzaga e Zé Dantas

Mandacaru quando fulorá na seca*
É um sinal que a chuva chega no sertão
Toda menina que enjôa da boneca
É sinal de que o amor já chegou no coração
Meia comprida não quer mais sapato baixo
Vestido bem cintado não quer mais vestir gibão

Ela só quer só pensa em namorar
Ela só quer só pensa em namorar

De manhã cedo já tá pintada
Só vive suspirando sonhando acordada
O pai leva ao doutor a filha adoentada
Não come nem estuda não dorme nem quer nada

Ela só quer só pensa em namorar
Ela só quer só pensa em namorar

Mas o doutor nem examina
Chamando o pai do lado
Lhe diz logo em surdina
Que o mal é da idade
E que pra tal menina
Não há um só remédio
Em toda medicina

Ela só quer só pensa em namorar
Ela só quer só pensa em namorar



* esta frase é incompreensível, mas, sossegai-vos, "mandacaru" é só um arbusto da família dos cactos, na botânica brasileira.

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terça-feira, maio 09, 2006

Acto falhado

Uns minutos antes de dormir, chama-me para brincar com ele. Digo ok e lá vou. Estamos a brincar ao jardim zoológico, pelo que me explica.

Ele - Tens de escolher um animal de dentro da caixa.

Eu - Um animal? Não posso escolher uma pessoa?

Ele - Aqui não está nenhum boneco que seja uma menina.

Eu (ai a merda! Posso ser um animal, mas não posso ser um homem? Serei mais parecida com o panda do que com o senhor de chapéu?) - Bom, está bem. Mas na brincadeira posso ser o que quiser, se até posso ser um animal. Sou este. (escolho o panda)

Ele - Ok!

Eu (reparando que há dois bonecos que são gajas, porque têm o cabelo mais comprido. Obviamente nunca poderiam ser meninos com o cabelo comprido) - Ei, espera! E essas? São meninas.

Ele (duvidando porque estão de calças) - Não, não são.

Eu (incorrendo no mesmo erro que ainda agora critiquei, mas que se lixe não quero ser um animal, mesmo um queriducho como o panda) - São, são. Não vês que têm o cabelo mais comprido?

Ele (completamente dominado pelos padrões. Parece que a socialização é um mal necessário, que diabo) - Ah, pois, tens razão. Ok, podes ser elas.

Eu (agarrando nas duas miúdas, exactamente iguais) - Elas são lésb... (de onde raio veio isto agora?) gémeas. São gémeas. São iguais. São gémeas! Gé-me-as. Eu disse gémeas, são gémeas.

Rio-me para dentro. Ponho-as de mão dada e continuamos a brincadeira como se nada fosse. A subversão de uma delas limita-se a puxar o hipopótamo pela cauda e fazer diabruras com os animais. A outra é uma certinha e, tal como imaginava, são realmente gémeas. Não há cá beijinhos para ninguém.

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domingo, maio 07, 2006

Boa mãe

Já tive oportunidade de exaltar as mães publicamente, mostrando todo o meu encanto por elas. Acho que, diariamente, vou tendo a oportunidade de exaltá-las cara a cara. Há quem lhe chame fetiche, mas eu não chegaria a tanto, ou pelo menos não me ficaria por aí. A admiração que tenho pelas mães cresce na medida em que elas descem dos seus pedestais, que eu própria fui criando nos anos loucos da juventude. Mãe que é mãe não está no pedestal, é ela própria o pedestal do seu filho, carregando-o às costas, ao colo ou simplesmente no coração quando o filho se torna demasiado pesado.

Hoje é dia da mãe e, confesso, um dia especial para mim. Porque há muitas mães na minha vida, cada vez mais, cada vez mais próximas, cada vez mais reais, cada vez mais belas. E, lá está, cada vez menos idealizadas.

Talvez por isso e porque hoje terei oportunidade de felicitá-las, apetecia-me falar de filhos em vez de mães. Ser mãe é ser mãe de um filho, não há mãe per si. Essa coisa do instinto maternal é boa de se empacotar, embrulhar com cuidado, e guardar para usar com os filhos dos outros. Ser mãe é ser mãe de um filho e, que se lixe o intinto maternal, porque a coisa (leia-se o filho) está lá e tem de ser cuidada, qual instinto qual quê, é real e obriga-te a reagir, a ser, a actuar, a não deixares passar.

Embora mãe de um filho, o meu dia da mãe é sempre de filha. Como mãe, contorno o dia da mãe sem problemas - não há cá prenda para ninguém, nem beijinhos especiais, nem parabéns mamã. O meu dia da mãe é o meu feriado de mãe em que posso deleitar-me olhando para as outras mães, ao mesmo tempo que experimento a satisfação do meu "segredo", a reafirmação do meu compromisso perene de maternidade sem contrapartidas directas. Porque há um filho e isso, para todas as mães, é o mais importante do dia da mãe.

Adiante. Hoje é dia da mãe. Ser mãe é uma espécie de assumpção de todas as "culpas", desde o pecado original até ao divã do Freud, passando por aquela birra descomunal de sono (não do filho, mas da mãe). A mãe moderna está em permanente compensação e em constante afirmação - compensação em relação ao filho, afirmação em relação ao mundo. Durante demasiado tempo, a mãe moderna acreditou naquilo que nunca deveria ter acreditado - eu vou ser mãe. Isso aumentou demasiado as suas expectativas. Talvez devesse ter simplesmente acreditado que ia ter um filho. E ter um filho, lá está, não é ter instinto maternal.

Quem tem instinto maternal é a Mitra, a gata do meu pátio. E, embora sejam todas umas gatas, as mães humanas não se devem simplesmente fiar no instinto, mas na inteligência (emocional, se quiserem) e no amor. Ser mãe nasce da relação.

Este é um post do dia da mãe. Falemos das mães. Agora que me deu para ler a "Pais e filhos" (é influência das outras mães), descobri com satisfação que a mãe moderna começa a libertar-se. Uma das coisas que sempre mexeu comigo em relação às mães foi a consciência de que ser mãe não era o sonho cor-de-rosa, idílico e em permanente felicidade. Que ser mãe carregava consigo uma espécie de fardo cor-de-rosa, que ultrapassava em larga medida as noites sem dormir ou as nódoas negras e por aí fora. Mais tarde descobri ainda que esse fardo podia nem sequer ser cor-de-rosa, mas negro. Essa noção fez-me ver também que a mãe é quase sempre a sua maior inimiga, talvez porque esteve tempo demais a acreditar no idílico. E as armas que usa contra si são as da culpabilidade. Há uma espécie de secreto pacto que assumiu em si mesma que a faz sentir (sempre?) culpada, mesmo que não o confesse a ninguém. Contra a culpa, actua o amor e os momentos em que sente que está a fazer a coisa como deve ser.

Ora, na "Pais e filhos" de Maio, como estava a dizer, há uns quantos artigos que me tranquilizaram. As mães começam a assumir-se. Começam a assumir coisas que vão mais contra a ideia de mãe perfeita, sonho cor-de-rosa. Começam a assumir as neuroses, as impaciências, as incapacidades, coisas que embatem na ideia de "mãe querida". Não deixam de sentir culpa e sentem necessidade de reafirmar a todo o momento o amor pelos filhos (como se fosse necessário), mas assumem a coisa.

Há uma diferença entre assumir responsabilidades e assumir culpas - uma diferença essencial. Nenhuma mãe faz tudo bem, isso é dado adquirido (ou quase), mas mais importante nenhuma mãe sente tudo bem, como se de um anjinho se tratasse. Assumir a responsabilidade de ser mãe acarreta consigo a certeza de que tudo (ou quase) terá uma influência na vida do filho, mas não deverá anular a certeza de que primeiro é preciso ser-se. Já há demasiada pressão em ter um filho, querer ser uma mãe perfeita é um erro e, a meu ver, um passo na direcção contrária em ter bem um filho.

O sentimento de culpa tem aquele lado negro asfixiante que nos incapacita de assumir as responsabilidades em pleno. Se achamos que estamos sempre aquém, é bem provável que cheguemos ao ponto de não dar nada, de nos paralisarmos com o medo de errar, de criarmos um papel bem distinto daquilo que realmente somos.

Ter um filho, ser mãe, para mim, foi uma decisão. Mas uma decisão em permanência. Uma decisão que se estende ao erro. Assumir essa responsabilidade é um caminho, mesmo que para a vida do filho seja um caminho sem regresso. E acredito que essa decisão tenha de existir para todas as mães e todos os pais, mesmo que em circunstâncias diferentes das minhas. Ser mãe ou pai biológicos não deveria retirar peso a essa decisão, como se estivesse instintivamente assumida. Quando se descobre que o que se faz tem uma influência sobre o filho, descobre-se também que esse é o momento da decisão, percebe-se que a pior coisa que se poderia fazer ao filho era passar ao lado dessa decisão, como se fosse intrínseca. E essa decisão não pode ser a criação de uma personagem, mas a integração de duas vidas - a da mãe e a do filho.

Não há nada intrínseco em ser mãe. Faz-se. Faz-se agora, faz-se logo a seguir ao agora, e depois, e depois, agora, sempre no agora. Se há alguma coisa intrínseca nessa relação é a de ser filho e, até isso, dura só alguns anos, porque haverá, numa vida saudável, um momento em que até o filho decide ser filho de seus pais.

Hoje é dia da mãe. Já decidi ser filha da mãe (e do pai também), já decidi ser mãe. No meio disso, gosto de olhar para as mães, é certo, e dizer-lhes: boa, mãe! Boa!

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sábado, maio 06, 2006

S U R P R E S A

Não faço ideia de como ficou a minha cara, mas a minha cabeça deu prái 300 voltas até conseguir agarrar-se a um ponto fixo e parar. Surpresa passa agora a ser para mim sinónimo de "ei! hã? o que é isto? é para quem? hã? para mim?! para mim?! ah isto é para mim! beeeem! uau! eheheh! nah, nah, nah. hã? é melhor parar de fazer cara de parva e dizer qualquer coisa... hã? naaah... isto é uma surpresa para mim, reage mulher!".

Uma verdadeira surpresa tem qualquer coisa de susto, percebi ontem. Tem qualquer coisa de caiu qualquer coisa do tecto. Tem qualquer coisa de descobrir a existência de algo até ao momento totalmente desconhecido, mas que se passou o tempo todo à tua volta e à frente dos teus olhos. Uma surpresa é o embate com a realidade dos outros em cima de ti. Ontem fizeram-me uma surpresa e não poderia ter sido mais agradável, impagável, inesquecível, comovente. Eu não vi a minha cara, mas, juro, nunca hei-de esquecer a minha cara.

Muito obrigada a todos. Mas principalmente a quem me mostrou tanto amor e generosidade ao organizar este grande momento, a minha boa amiga e a prima. Bem hajam vocês, que sempre me puxam para o melhor da vida e me fazem tão feliz.

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segunda-feira, maio 01, 2006

Máxima da Graça* - corta aqui, corta ali

Não há nada como uma boa poda...


*máximas feitas de improviso para os lados da Graça, em casa, em passeio ou no quintal, com o alto patrocínio da prima.

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