quarta-feira, maio 31, 2006

120 11:45 112

Ontem na Ponte Vasco da Gama, quando voltava de um serão bem passado com dois detentores das "chaves do meu coração", vi um carro parado à beira da estrada. Abrandei um pouco para os 120 e olhei. Vi um homem fora do carro a subir para a vedação e depois a alçar a perna. Não me pareceu que fosse da manutenção. O meu coração disparou e a velocidade do meu carro abrandou. Peguei no telefone e liguei para o 112. Estive mais de um minuto à espera que me atendessem. É UM NÚMERO DE EMERGÊNCIA OU DE INFORMAÇÕES? Finalmente atenderam, já estava eu quase a sair da ponte. Expliquei. Está um homem no meio da ponte vasco da gama e vai saltar! Ele vai saltar! Mas eu sabia que ele já tinha saltado. Não é possível que alguém páre o carro no meio da ponte, deixe as luzes acesas, passe para "fora" da ponte e reconsidere. Ou será que foi possível? Do 112 passaram-me para a GNR. Lá expliquei outra vez. Entretanto, os minutos pareciam horas, o tempo estava mais lento. Ou mais acelerado talvez, vi a perna do homem a contornar a protecção. Ia saltar. Ia mandar para lá alguém, disse-me o agente. Disse obrigado, desligou. Eu continuei o meu percurso até casa, a pensar no que é que faz um homem saltar de uma ponte. Imaginei todo o seu sofrimento. Pus-me no lugar dele. Não consegui, mas estava no lugar dele. Quantas pessoas àquela hora no mundo estariam a fazer o mesmo? Quanta dor estaria presente em almas, corpos, numa só alma, num só corpo? A humanidade toda conduzia comigo naquele instante mas ainda sentia a minha voz a falar dentro de mim. Ainda era eu, individual, mas sentia o raspão da humanidade, a ferida aberta, a dor de uma única pessoa, a de todas. Em catadupa, como um vómito, um espasmo, veio-me a vida. O amor pela vida. Senti vontade de me agarrar a ela. Amei a vida tanto naquele instante, inexplicavelmente, sem razão, com todas as ganas, sem temor, apenas com anseio. Agarrei-me a ela. Vi um carro passar a alta velocidade quase a apanhar-me, vi o instante em que alguém alça a perna para saltar e o instante em que tudo se perde. Amei a vida, sem perceber porquê, pois só via a dor. Agarrei-me a ela. Com força. Terá ele saltado com a mesma força? Para onde foi o amor dele? A sua esperança?

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3 Comments:

At 31/5/06 11:52 da manhã, Anonymous Anónimo said...

eram 3 da manhã quando consegui finalmente adormecer... e eu não o vi, só o imaginei...
Fiquei a vê-los dormir tão bonitos, tão descansados. Senti-me tão sortuda.

Ver a morte de perto dá sempre que pensar.

 
At 31/5/06 12:15 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Eu a ler friamente deste meu canto confortavel e seguro, pareciera-me triste acabar com a vida assim, que eu seria incapaz, que eu tentaria de remediar e bla bla bla... mais entretanto acredito no poder do desespero: já vi nas ruas pessoas a durmir ou a tirar comida dos caixotes de lixo.

Uma vida quer ir, outra ganha mais vontade de ficar. Que coisas loucas nos aguardam a vida. Lembrei-me dos Amores Cães

 
At 31/5/06 3:36 da tarde, Blogger ana said...

ai. fiquei o post todo a pensar que depois te tinhas enganado e que...

mas não. não há sempre finais felizes.

ai.

 

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