domingo, maio 21, 2006

Vida de bairro

No fim do banho matinal, quando se estava a vestir, viu-os da janela. Os seus amigos da porta ao lado estavam na rua a jogar à bola.

- Olha, os meus amigos estão lá fora a jogar à bola.

Reflecti uns instantes, embora já soubesse que a minha melancolia suburbana de infância de bairro que nunca tive fosse vencer.

- Queres ir brincar com eles?

Ele, todo nu, começou a gritar por eles com a janela fechada.

- Anda, miúdo, tens de te vestir primeiro. Estás todo nu.

Excitadíssimo, ainda me questionou se iria com ele. Disse que não, que ficava a vê-lo da janela, mas que ficaria pouco tempo, porque íamos almoçar em breve. Fiz-lhe dez mil recomendações, pus-lhe creme na cara, boné na cabeça e, ala, que se faz tarde. Pus-me à coca na janela. Corria atrás da bola, sem a mínima noção do que estava a fazer, mas com um jeito inato para celebrar o golo. Ainda tive uma esperança secreta que os miúdos fossem do Sporting, para ver se desequilibrava o que uma miúda fez na escola, pondo-o fã do Benfica, mas não tive sorte. Às tantas gritaram mesmo o nome do clube do qual sou anti, mas tudo bem. O miúdo estava a jogar à bola na rua e estava em delírio.

Passado cinco minutos, ouvi a voz da velha. A velha louca da rua. Do seu 2º andar gritou com os miúdos por causa dos carros, que poderiam amolgar com a pequena bola. Acrescentou o comentário racista: "merda, esta gente nunca mais sai daqui". Foi exactamente o que pensei acerca dela. Eles praticamente não reagiram e fizeram bem. Passados mais uns minutos, ela volta a aparecer à janela, já depois de eu ter chamado o miúdo para almoçar. Saí para ir buscá-lo. Quando apareci à porta, a estúpida da mulher já estava na rua, de robe vestido, preparando-se para fazer queixa à preta. A sua figura, de robe e sapatos calçados, a gritar no meio da rua de como as crianças não podiam estar o dia todo na rua, porque lhe faziam dores de cabeça, metia asco. Principalmente por o problema não serem os gritos das crianças, mas a cor da pele das ditas. Nem por um momento ela olhou para mim, como se eu estivesse isenta de responsabilidades, como se nós não pudéssemos ser alvo de queixas. Obviamente nenhuma das suas queixas era válida, nem para nós, brancos, nem para eles, pretos. Mas é sempre mais fácil o argumento tu não és daqui, não tens direitos nenhuns. Não disse nada. Deveria ter dito, vendo à distância, mas era como se assistisse da bancada: a maluquinha de robe vs os pretos pobres. Como se, na minha postura de branca classe média culta sem problemas mentais vamos mas é almoçar que a seguir vamos ao teatro já tivémos o nosso momento popular, aquela não fosse uma questão minha. De facto não era, sendo-o ao mesmo tempo profundamente.

Quando o miúdo entrou, disse-lhe que ele tinha jogado muito bem e disse mal da velha. Vida de bairro é fixe, mas há limites. Ninguém manda na rua.

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4 Comments:

At 22/5/06 2:58 da tarde, Blogger Miguel Manso said...

NINGUÉM MANDA NA RUA ! ! !

 
At 23/5/06 1:03 da tarde, Blogger ana margarida said...

Eu tinha-lhe puxado o robe e dito qualquer coisa. Ai QUE RAIVA Estúpida da velha. Mas olha tenho a certeza que um dia mais tarde ela irá "sofrer consequências" de miúdos rabinos atrevidotes... se tivesse carro, os peneus eram um ponto certo, não sendo isso, qualquer coisa será :P e eu junto-me a eles.

 
At 24/5/06 10:00 da manhã, Blogger ana said...

só espero que essa velha viva o tempo suficiente para se arrepender de ter sido puta

 
At 31/5/06 11:37 da manhã, Anonymous Anónimo said...

deviam era manda-la extraditada a um pais africano e começar a sua vida de cero lá. E na mala, um VHS com o documentario Lisboetas.. para ela se lembrar quem são os novos lisboetas.

 

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