domingo, maio 07, 2006

Boa mãe

Já tive oportunidade de exaltar as mães publicamente, mostrando todo o meu encanto por elas. Acho que, diariamente, vou tendo a oportunidade de exaltá-las cara a cara. Há quem lhe chame fetiche, mas eu não chegaria a tanto, ou pelo menos não me ficaria por aí. A admiração que tenho pelas mães cresce na medida em que elas descem dos seus pedestais, que eu própria fui criando nos anos loucos da juventude. Mãe que é mãe não está no pedestal, é ela própria o pedestal do seu filho, carregando-o às costas, ao colo ou simplesmente no coração quando o filho se torna demasiado pesado.

Hoje é dia da mãe e, confesso, um dia especial para mim. Porque há muitas mães na minha vida, cada vez mais, cada vez mais próximas, cada vez mais reais, cada vez mais belas. E, lá está, cada vez menos idealizadas.

Talvez por isso e porque hoje terei oportunidade de felicitá-las, apetecia-me falar de filhos em vez de mães. Ser mãe é ser mãe de um filho, não há mãe per si. Essa coisa do instinto maternal é boa de se empacotar, embrulhar com cuidado, e guardar para usar com os filhos dos outros. Ser mãe é ser mãe de um filho e, que se lixe o intinto maternal, porque a coisa (leia-se o filho) está lá e tem de ser cuidada, qual instinto qual quê, é real e obriga-te a reagir, a ser, a actuar, a não deixares passar.

Embora mãe de um filho, o meu dia da mãe é sempre de filha. Como mãe, contorno o dia da mãe sem problemas - não há cá prenda para ninguém, nem beijinhos especiais, nem parabéns mamã. O meu dia da mãe é o meu feriado de mãe em que posso deleitar-me olhando para as outras mães, ao mesmo tempo que experimento a satisfação do meu "segredo", a reafirmação do meu compromisso perene de maternidade sem contrapartidas directas. Porque há um filho e isso, para todas as mães, é o mais importante do dia da mãe.

Adiante. Hoje é dia da mãe. Ser mãe é uma espécie de assumpção de todas as "culpas", desde o pecado original até ao divã do Freud, passando por aquela birra descomunal de sono (não do filho, mas da mãe). A mãe moderna está em permanente compensação e em constante afirmação - compensação em relação ao filho, afirmação em relação ao mundo. Durante demasiado tempo, a mãe moderna acreditou naquilo que nunca deveria ter acreditado - eu vou ser mãe. Isso aumentou demasiado as suas expectativas. Talvez devesse ter simplesmente acreditado que ia ter um filho. E ter um filho, lá está, não é ter instinto maternal.

Quem tem instinto maternal é a Mitra, a gata do meu pátio. E, embora sejam todas umas gatas, as mães humanas não se devem simplesmente fiar no instinto, mas na inteligência (emocional, se quiserem) e no amor. Ser mãe nasce da relação.

Este é um post do dia da mãe. Falemos das mães. Agora que me deu para ler a "Pais e filhos" (é influência das outras mães), descobri com satisfação que a mãe moderna começa a libertar-se. Uma das coisas que sempre mexeu comigo em relação às mães foi a consciência de que ser mãe não era o sonho cor-de-rosa, idílico e em permanente felicidade. Que ser mãe carregava consigo uma espécie de fardo cor-de-rosa, que ultrapassava em larga medida as noites sem dormir ou as nódoas negras e por aí fora. Mais tarde descobri ainda que esse fardo podia nem sequer ser cor-de-rosa, mas negro. Essa noção fez-me ver também que a mãe é quase sempre a sua maior inimiga, talvez porque esteve tempo demais a acreditar no idílico. E as armas que usa contra si são as da culpabilidade. Há uma espécie de secreto pacto que assumiu em si mesma que a faz sentir (sempre?) culpada, mesmo que não o confesse a ninguém. Contra a culpa, actua o amor e os momentos em que sente que está a fazer a coisa como deve ser.

Ora, na "Pais e filhos" de Maio, como estava a dizer, há uns quantos artigos que me tranquilizaram. As mães começam a assumir-se. Começam a assumir coisas que vão mais contra a ideia de mãe perfeita, sonho cor-de-rosa. Começam a assumir as neuroses, as impaciências, as incapacidades, coisas que embatem na ideia de "mãe querida". Não deixam de sentir culpa e sentem necessidade de reafirmar a todo o momento o amor pelos filhos (como se fosse necessário), mas assumem a coisa.

Há uma diferença entre assumir responsabilidades e assumir culpas - uma diferença essencial. Nenhuma mãe faz tudo bem, isso é dado adquirido (ou quase), mas mais importante nenhuma mãe sente tudo bem, como se de um anjinho se tratasse. Assumir a responsabilidade de ser mãe acarreta consigo a certeza de que tudo (ou quase) terá uma influência na vida do filho, mas não deverá anular a certeza de que primeiro é preciso ser-se. Já há demasiada pressão em ter um filho, querer ser uma mãe perfeita é um erro e, a meu ver, um passo na direcção contrária em ter bem um filho.

O sentimento de culpa tem aquele lado negro asfixiante que nos incapacita de assumir as responsabilidades em pleno. Se achamos que estamos sempre aquém, é bem provável que cheguemos ao ponto de não dar nada, de nos paralisarmos com o medo de errar, de criarmos um papel bem distinto daquilo que realmente somos.

Ter um filho, ser mãe, para mim, foi uma decisão. Mas uma decisão em permanência. Uma decisão que se estende ao erro. Assumir essa responsabilidade é um caminho, mesmo que para a vida do filho seja um caminho sem regresso. E acredito que essa decisão tenha de existir para todas as mães e todos os pais, mesmo que em circunstâncias diferentes das minhas. Ser mãe ou pai biológicos não deveria retirar peso a essa decisão, como se estivesse instintivamente assumida. Quando se descobre que o que se faz tem uma influência sobre o filho, descobre-se também que esse é o momento da decisão, percebe-se que a pior coisa que se poderia fazer ao filho era passar ao lado dessa decisão, como se fosse intrínseca. E essa decisão não pode ser a criação de uma personagem, mas a integração de duas vidas - a da mãe e a do filho.

Não há nada intrínseco em ser mãe. Faz-se. Faz-se agora, faz-se logo a seguir ao agora, e depois, e depois, agora, sempre no agora. Se há alguma coisa intrínseca nessa relação é a de ser filho e, até isso, dura só alguns anos, porque haverá, numa vida saudável, um momento em que até o filho decide ser filho de seus pais.

Hoje é dia da mãe. Já decidi ser filha da mãe (e do pai também), já decidi ser mãe. No meio disso, gosto de olhar para as mães, é certo, e dizer-lhes: boa, mãe! Boa!

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3 Comments:

At 7/5/06 5:14 da tarde, Blogger Miguel Manso said...

"nenhuma mãe faz tudo bem" - gosto deste teu 'verso'...

e

uma vez contaram-me que num campo de batalha o que mais se ouve é:

ó mãe! mãe!

dos soldados em apuros, ou a morrer.

aliás,
a palavra HOMEM pode ser escrita desta maneira:

ÓMÃE

...

beijo

 
At 7/5/06 6:26 da tarde, Anonymous Anónimo said...

que bonito post! que humano, que verdadeiro.

que tenhas agora e a seguir e a seguir a força para ser a mãe que vais/fores querendo ser!

mas para isso tens que te alimentar e agasalhar bem, rica filha!

 
At 8/5/06 11:52 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Adorei o teu post. Aliás ontem no meio das minhas "tias bruxas" todas mães, pensei muitas vezes que tinha o teu post à espera para terminar o meu dia em pleno, porque aquelas mulheres são todas malucas... mas isso são outras histórias.

De facto a maternidade não é só cor de rosa, tens muitas outras cores, muitas muitas e isso é importante que seja consciente. Já a gravidez devo confessar foi 1 balde de água fria, não gostei por aí além e cada vez gosto menos da ideia de voltar a estar grávida... de qualquer forma o que queria acrescentar como comentário ao teu post é que depois de ser mãe oiço e compreendo as outras experiências duma forma muito mais livre de juízos. Há quem se arrependa (na mesma pais e filhos) há quem esteja perdido, há quem siga modelos, há quem não ponha a hípotese de fazer as coisas de outra maneira...há quem nunca queira ter filhos. E hoje compreendo isso muito bem...deixei de conseguir "analisar" as mães para passar simplesmente a ouvi-las.
(Esta é a minha 4ª tentativa de postar e mais uma vez não estou especialmente contente mas o puto está ao meu colo e desta vez fica assim... ou não fosse este um assunto com muito para se dizer ou melhor para se ir dizendo. Ser mãe é uma caminhada.)

Grande post Boa amiga, Mãe, Mardinha!

bjs nossos.

 

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