segunda-feira, julho 30, 2007

Infortúnios de r/c



Por que é que os ratinhos reais não são divertidos, nem amigáveis, nem inteligentes como os dos desenhos animados, mas apenas terroristas e assustadores e pequenos demais para fazerem disparar ratoeiras?



Enquanto penso nestas coisas à noite, ainda ouço na rua um adolescente a dizer "Não vais à praia por causa que eu vou?". Depois como pode uma pessoa adormecer? Ratos e mau português são factores demasiado angustiantes... Só espero que a miúda não vá mesmo à praia "por causa que" ele vai... é o mínimo que deve fazer.

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terça-feira, julho 17, 2007

A coisa do fascínio

Há coisa de dez anos, meti-me no teatro, por acaso e por "mera" afinidade afectiva, como quase tudo na minha vida. Rapidamente, o acaso e o afecto das minhas circunstâncias naquele lugar foram substituídas pela escolha consciente e pelo fascínio pela coisa. A magia do teatro, tantas vezes nomeada, passa muito mais pelo processo do que pelo acto da apresentação pública. No fundo, é uma e a mesma coisa, pois o fascínio é despertado pela presença dos corpos e das mentes, a superarem-se ao vivo para ti, pela energia que se concentra em determinado lugar com determinadas pessoas, ligadas naquele instante apenas pela ideia romântica de um espectáculo. Sobretudo, a magia do teatro está no trabalho conjunto. Está na linha ténue que separa a realidade da ficção, a normalidade do absurdo, a espontaneidade da elaboração. Essa linha é fascinante, mesmo que seja perigosa. Para um actor, as coisas são com certeza diferentes, mas para uma testemunha como eu, é aí que reside a paixão.

Mas já algum tempo que me sabia desapaixonada dessa coisa do teatro. O mais verdadeiramente rico no teatro -as pessoas, o tal colectivo- é também o mais podre, cansativo, exaustivo e, por vezes, entediante. A humanidade do teatro é fascinante, mas o reverso dessa humanidade pode esgotar o resto. As pessoas tornam-se simplesmente pessoas e a paixão só pode continuar se estivermos igualmente envolvidos de forma profunda com o acto teatral em si. E a verdade é que eu não fiquei. O acto criativo, a própria razão de ser do teatro, aborreceu-me. De tal modo que é-me penoso assistir a espectáculos de teatro. Irrito-me, entedio-me, não me surpreendo e, tantas vezes, o que me prende são novamente as pessoas e pouco mais. Diria que era como se se tivesse perdido a magia, como uma ilusão caída por terra.

Até ontem. Ontem não fui ao teatro, mas fui ver o "Ensaio sobre o teatro", um filme sobre o espectáculo "Ensaio sobre a cegueira", d'O Bando. Ao ver a magia aparecer de novo à minha frente, ao sentir o brilho nos meus olhos, uma espécie de embasbacanço generalizado num sorriso alegre e numa admiração incontida, percebi que o fascínio nunca desapareceu. Afinal ele permanece vivo dentro de mim, mesmo conhecendo as manhas, as fraquezas, os truques, aquele fascínio permanece. Mesmo não tendo especial vontade de voltar, mesmo que nunca mais aprecie um espectáculo de teatro, serei sempre uma apanhadinha daquela arte. E isso já ninguém me tira.

Tudo isto para dizer para irem ver, até 25 de Julho, o filme no Cinema São Jorge. Poucas coisas serão mais ternas que a máscara por detrás da máscara, mesmo quando já vimos por detrás da máscara da máscara. O humano é sempre imensamente belo.

Uma palavra ainda para a Sara de Castro (a única pessoa que me pode fazer voltar a habitar aquele lugar) que, embora não apareça no filme, foi a protagonista do "Ensaio sobre a cegueira", na segunda série de espectáculos. Para mim, é sempre a primeira.

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quinta-feira, julho 12, 2007

Imaginário colectivo pessoal

Quando não há lua, olhe-se para as estrelas.

Women in film

Vale a pena ver. Para apreciadores de verdadeiras estrelas e de rostos femininos.

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sexta-feira, julho 06, 2007

Contra-cultura Pop ou Pop in progress

Ontem fui pela primeira vez, aos trinta anos, a um festival de música (o Avante é muito mais que isso). À partida, um festival que tem no nome uma marca de cerveja promete, nem que seja uma ligeira (ou talvez não) ressaca no dia seguinte. Mas Scissors SIsters promete muito mais, uma vez mais, que a cerveja. E então lá fui eu assistir ao fenómeno, com convite no bolso.

Eu sou fã sobretudo de concertos com cadeiras confortáveis, sobretudo nas primeiras filas, sobretudo de música brasileira. Mas se há uma oportunidade de dançar, nunca a recuso. E esta era uma delas.

Cerveja na mão, atitude expectante e receptiva, estado físico geral bom ou razoável são as condições mínimas para entrar no espírito. Mas o importante talvez não sejam os concertos.

Vista geral - uma das coisas que salta à vista é a presença dos patrocinadores. O mercado impera, mesmo que ilusoriamente possamos pensar que estamos numa "cena alternativa". A quantidade de stands promocionais, com uma variedade estúpida de animações idiotas, é invejável. Talvez seja por isso que se têm estes nomes no cartaz, mas não há que enganar: além da música, um festival é um veículo para as marcas, um chamariz comercial, uma oportunidade para uma vez mais vender.

Vista detalhada - quando cheguei ao "recinto", começou o concerto de Gossip, que gosto q.b., mas que não ouço especialmente. Ora, esta banda (concerto brilhante, brilhante) tem uma vocalista gorda, mas gorda. Com uma voz e uma energia inacreditáveis, a sujeita é uma verdadeira guerreira da performance. A seguir, foram os TV on the radio, que pouco me dizem (aproveitei para comer e beber mais), que têm três membros negros, entre eles um vocalista e um baterista giraços como tudo. Logo depois, Scissors Sisters (nunca mais passam por Lisboa sem eu lá estar, garanto), com a sua atitude completamente queer, outrageous e debochada. Ora, temos, em linguagem corrente, uma gorda, um preto e uma bicha louca como vocalistas de algumas das principais bandas da noite. Se isto não é contra-corrente, não sei o que será. E não será por acaso que os Interpol, com o seu vocalista louro, hetero, depressivo, tenham tido uma prestação monótona e entediante (bem sei que não é a opinião geral).

Vista pessoal - as pop-stars podem ser verdadeiros motores da mudança de mentalidades. A Madonna e o George Michael são (a Madonna já foi mais) verdadeiros impulsionadores da emancipação sexual. Bono, Sting, Angelina Jolie, Lady Di e mais uma vez a Madonna dão a cara por causas humanitárias e ambientais a toda a hora (excepto a Di que ja foi ao ar e o Sting é um bocado parvo, mas pronto). "A gorda, o preto e a bicha" representam isso. Representam a contra-cultura (mesmo que seja comandada pelo mercado, não tenho ilusões) e a capacidade de invadir os lares conservadores (assumidos ou não) com figuras esteticamente desagradáveis para tantos e, mais importante, com estilos de vida fora da norma. Mas nem tudo são rosas, porque a devida distância que a estrela pop está dos seus fãs relativiza a imagem. Ou seja, uma estrela é excêntrica, não é real e não apela ao reconhecimento - é simplesmente um ser de outro planeta. Além disso, o público tende a normalizar e a integrar a sua diferença no seu modelo, como um sujeito que, tendo adorado Scissors Sisters, disse "eles têm aquela atitude toda queer, mas até não passaram das marcas", como quem diz "até se portaram bem para paneleiros". Ou o discurso genérico do "ela é gorda, mas é fantástica", como se à partida se esperasse menos da gorda. Ou o facto inequívoco de o preto ser um giraço ser muito mais relevante do que o branco ser giraço exactamente por ser preto, e isso ser muito mais exótico e atraente. Mas, ainda assim, "a gorda, o preto e a bicha" são fundamentais, por todas as gordas, pretos e bichas que há por aí, e por toda a luta contra o preconceito. Da mesma maneira que a Jolie é fundamental, porque mostra que boazona branca consegue ser uma "ganda maluca" e ao mesmo tempo andar a fazer campanhas humanitárias. Embora a tendência do público seja pensar que a puta virou santa (um pouco como a Madonna, aliás), como se não houvesse mais e mais ínfimas possibilidades.

Uma palavra final para o prazer de andar pelo recinto e encontrar amigos.

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quinta-feira, julho 05, 2007

Uma acção dos Precári@s Inflexíveis

Não vou poder estar presente, mas cá vai a devida divulgação.

"Por ocasião do encontro de ministros do (des)emprego da Europa
FEIRA EUROPEIA DO TRABALHO PRECÁRIO
Trabalho precário=vida precária=democracia precária

Venha ver e participar na compra e venda de mão-de-obra
barata e sem direitos, isto é, no mercado de vidas de pessoas descartáveis.
Com a presença de patrões e ministros para serem assobiados.

5 de Julho 2007, Quinta-feira, às 18h
Em frente ao ministério do trabalho
Praça de Londres, Lisboa
"

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segunda-feira, julho 02, 2007

Nuances de uma educação de esquerda

Anda uma pessoa anos a tentar escapar ao rótulo de intelectual, para dar consigo a um sábado de manhã a jogar xadrez com uma criança de seis anos, que, ainda por cima, diz que não gosta do xeque-mate. Entenda-se: não gosta, como princípio, de matar o Rei. O Xadrez é um jogo de estratégia cuja analogia é a guerra, mas o pacifismo vence no final, uma vez que se opõe ao derradeiro xeque-mate. É certo que muitos peões ficam pelo caminho, mas vá.
Como se não bastasse, ainda vem ao de cima a posição anti-clerical, uma vez que o puto pensava que bispos eram os que tocavam corneta à entrada dos palácios. Não fazia a mínima ideia o que eram os sujeitos nem que tinham poder junto dos reis, demonstrando o pouco reconhecimento que se dá às batinas.
Pelo menos, terminámos o dia a jogar à bola.

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domingo, julho 01, 2007

Se a liberdade chega atrasada... abra-se a porta mesmo assim

Às vezes, morre uma personalidade pública e tenho uma reacção semelhante, do género: "ah, pensava que já tinha morrido". É um bocado difícil ficar consternada pela perda.

Uma criança de seis anos fica surpreendida quando alguém lhe diz que em Portugal homens não podem casar com homens, nem mulheres com mulheres. É um bocado difícil explicar como algo tão natural para ele possa ser proibido.

Tive, na última sexta-feira, o mesmo tipo de espanto quando soube da nova lei que reconhecia que crentes não católicos "passam a poder casar na sua comunidade religiosa sem ter que passar pelo registo civil". Ao que parece, só a Igreja Católica beneficiava dessa benesse, talvez pelos tratados e acordos (parece que se chamam concordatas a estes esquemas) entre Vaticano e este nosso Estado. Agora, crenças, ou melhor igrejas, que existam em Portugal há mais de 30 anos podem celebrar casamentos "válidos" sem recorrer passar pelo civil. As ditas "outras" confissões passam a ter "credenciais" suficientes para efectivar uma união reconhecida pelo nosso Estado.

De entre essas igrejas, conta-se a muçulmana e a judaica, com tanto ou mais tempo neste território como a católica, sofrendo apenas de uma distinção, talvez um pormenor: sempre neste território se tentou expulsá-los. Pois bem, a Inquisição falhou. Ainda os há, quem diria, assim como evangélicos e adventistas e vai-se a ver, não tarda nada, reinos de deus e manás.

Se pudéssemos apelar ao nosso coração cristão, sem passar pelo amargo peso da Santa Fé, já há muito tempo que esta medida estaria vigente. Como aliás pensei e daí o espanto. Ou nenhuma tem validade ou todas têm. Mas não! Só em Junho de 2007 se lembraram de expandir a liberdade religiosa ao sagrado sacramento chamado casamento. (Chamei-lhe sagrado sacramento? Peço desculpa, deve ser ainda da santa lavagem cerebral instituída.)

Às vezes, estamos numa festa animada e, distraídos, pensamos que o convidado especial já chegou e, quando nos aparece à porta, ficamos surpreendidos. Isso não é razão para não o recebermos bem. Pelo contrário, devemos recebê-lo ainda melhor, porque afinal ainda não tinhamos dado por falta dele.

Por isso, devemos regozijar-nos por esta lei tardia, sobre a qual não tinhamos nunca pensado e que em pouco afectará as nossas vidas, porque ela traz consigo um pouco mais de liberdade e orgulho. Afinal, muita gente deve ter lutado por ela, muita gente deve ter esperado muito tempo por ela. Para eles, mas por todos nós, devemos celebrá-la.

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