terça-feira, dezembro 06, 2005

Hipocrisias I - OMeSsa

A Organização Mundial de Saúde decidiu que vai deixar de contratar fumadores. Os novos candidatos deverão, caso pretendem que as suas qualificações sejam tomadas em consideração, não fumar ou afirmar que deixarão de fumar caso sejam admitidos. Os actuais fumadores da organização serão apoiados pela mesma, clínica e economicamente, para abandonarem esse hábito, podendo manter os postos de trabalho.
Citando o Público, “a OMS diz que esta decisão não é discriminatória porque não se baseia em características religiosas, sexuais ou raciais”.

Estranha ideia esta de que a discriminação só assenta na religião, na sexualidade ou na raça. Muito estranha, de facto. Trata-se, obviamente, de uma discriminação. E uma discriminação fútil, baseada em características pessoais, como fumar. Um acto que não afecta em nada as competências de seja quem for.

Não sou do género de defender, a todo o custo, os fumadores, mesmo sendo uma. Acho que deve haver limites da prática do consumo, nomeadamente em locais públicos e de trabalho. Acho até que a OMS, obviamente, tem uma responsabilidade acrescida nessa matéria e deve proibir os seus empregados de fumarem em serviço ou em representação da organização. Mas isto ultrapassa tudo. É uma medida estúpida, cega, cujo único objectivo é marcar uma posição sem qualquer respeito pelas pessoas. Uma medida estética, de cosmética, se assim se pode dizer. Não poderá um médico salvar vidas por fumar? Poderemos confiar mais na OMS pelo facto dos seus colaboradores não fumarem? Será o mundo mais saudável por isso? A eficácia desta medida para a “saúde do mundo” é nula. É um acto tirano, ignóbil, intimidatório, despojado de qualquer sentido. Além disso, é de uma arrogância extrema, de um paternalismo exacerbado, considerar-se que a colaboração com uma entidade destas deve infiltrar-se de tal modo num indivíduo que este perde a sua liberdade. “Se queres salvar-te, salva-te a ti”, parece dizer a OMS aos seus colaboradores – “nós somos o exemplo a seguir”.

Interessa mais parecer que ser, está visto. Pois um(a) médico/a, ou outro profissional mais bem qualificado para uma determinada função será posto de parte pelo simples acto de fumar.

Este é o exemplo que a OMS está a dar hoje ao mundo. Deixa de fumar ou perdes um bom emprego – já não basta o “fumar mata”.

1 Comments:

At 6/12/05 3:59 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Concordo que a medida é errada (disse o aqui), mas não é hipócrita. Muito antes pelo contrário, é perfeitamente coerente com o que a Organização representa e diz.

Quando a organização diz que a saúde não é só a ausência de doença, mas uma vida plena e a partir do momento em que começou a rejeitar a visão redutora da saúde tradicional era aqui que isto vinha dar e se continuarmos pelo mesmo caminho, piorará. Não há hipocrisia nenhuma nisto.

Se é discriminador ou não é uma questão vazia. É sempre discriminação só contratar pessoas com determinadas características seja com um curso de medicina ou seja o que fôr. A pergunta é se a discriminação é feita por uma razão válida. A minha resposta é não, mas que a OMS diga sim não é incoerente com o que tem dito.

Coerentemente, a OMS tem estado errada. Não em questões de facto ou técnicas, mas em questões de valores, na visão política do papel do indivíduo e da sua capacidade de escolha. E a minha visão de que as questões da vida plena são questões que não são resolvidas por comités de especialistas choca com a visão deles, essa sim, verdadeiramente tecnocrática.

 

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