terça-feira, dezembro 06, 2005

Puzzle*

Decidi juntar algumas das leituras de jornal de fim-de-semana e fazer um puzzle.

No Público de Domingo, os dados sobre o desemprego em Portugal são alarmantes, com um aumento progressivo nos últimos meses, estimando-se 330 novos desempregados por dia, desde Julho.
Diz-se, pela voz de Augusto Mateus, ex-ministro da Economia, “O problema do emprego em Portugal é estrutural e terá que ser resolvido à distância; não se cria emprego pensando em criar emprego. É preciso ter visão, investir e não ter medo de ser eficiente; quanto mais tempo perdermos a defender sectores que não têm defesa, pior. Estamos no fim da linha e assim continuaremos se insistirmos nos mesmos erros”. Suficientemente vago para todos concordarmos.

No Público do dia anterior (Sábado, 3) a resposta vem mais concreta, dentro do contexto da chamada “pobreza hereditária”. Tendo em consideração que grande parte do desemprego é junto de pessoas com pouca qualificação, é pertinente olhar para as coisas de um ponto de vista, exactamente, mais estrutural. Diz-nos, em entrevista, o Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, José Vieira da Silva:
O facto de uma criança poder frequentar uma creche ou um pré-escolar é um dos passaportes mais seguros para ter um bom desempenho no sistema educativo e, dessa forma, sair do ciclo infernal de perpetuação da pobreza. Não há nenhum país da OCDE onde, por se ter mais um ano de escolaridade, o nível de rendimento se eleve tanto como em Portugal.
Quando definimos a escola a tempo inteiro – o inglês, a matemática, as refeições nas escolas – estamos a falar de erradicação da pobreza infantil. Isso faz parte de uma leitura integrada: para diferentes segmentos da população, a fragilidade social tem de ser atacada de forma diferente.

Que um Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social comece a falar em direitos do pré-escolar parece-me muito bom sinal.

Mais à frente, no Público de Domingo, aparentemente sem nenhuma relação com Portugal, surge-nos o rapper francês Hamé. Diz ele, acerca dos “motins” em França:
Não espanta que tudo se radicalize, que as revoltas se radicalizem. E radicaliza-se também a idade a partir da qual se toma consciência disto tudo. O que eu compreendi aos 20 anos esta geração compreendeu aos 13. A minha sorte é que a minha escolaridade foi boa e tive oportunidade de me apropriar das ferramentas teóricas, intelectuais, críticas para compreender o mundo à minha volta. Mas quando se sente que se é prisioneiro de sua condição, quando a própria imagem está degradada e se tem 13, 14 anos isso é algo muito violento. Eles sabem que estão condenados.
Diz ainda que os jovens que participaram nos “motins” estão integrados, “mas estão integrados no subsolo, na miséria. A questão não é integrem-nos. Recuso isso. Uma criança que faz a sua escolaridade ou até um imigrante que trabalha em França, está integrado a partir do momento em que começa a fazer parte da economia do país. A verdadeira questão não é: está integrado? É: está satisfeito com o lugar em que o colocaram? Evidentemente que não. Não se pode estar satisfeito com estar à parte de tudo, com sermos pessoas a quem se negam os direitos, alvo de xenofobia e de racismo.

Ser “prisioneiro da sua condição” parece, cada vez mais, um sentimento presente entre todos. O que fazer para desbloquear esse sentimento hoje e o que fazer para evitá-lo no futuro? Como reinventar este modelo viciado? É fundamental olhar, ou voltar a olhar, para a educação como o principal meio para fazê-lo.

E se a resposta para mudar as coisas está na educação, é preciso saber em que direcção está essa mudança (ou ausência dela). Também no Público de Sábado, algumas citações de João Barroso, actual presidente do conselho directivo da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Lisboa:
Continuamos sem uma definição clara de qual é a orientação política da educação e o vazio que existe hoje deriva desta ausência de política educativa”;
Isto é mais notório porque a tendência hoje é para despolitizar a educação e olhar para a intervenção no campo educativo apenas de um ponto de vista técnico, como se o problema fosse os instrumentos e não os objectivos”;
Chegamos a uma situação em que os ministros não dizem que tomam medidas porque são aquelas que servem as suas políticas, mas apenas porque as têm de tomar, em função de interesses externos: a globalização, a competição, o orçamento”, acrescenta. “E o que é importante na política, que é fazer escolhas, não é feito”;
Não pode haver um projecto educativo local se não houver um projecto educativo nacional, e hoje a sociedade portuguesa não tem projecto político definido. Não há educação sem política. Repolitizar a educação é fundamental.

Até Roberto Carneiro diz “o princípio da neutralidade filosófica da escola é mortal: nenhuma educação é neutra, toda a educação tem de ter preferências, tem de haver projectos educativos”.

Está na hora de ultrapassar os “traumas”. É necessário começar a analisar que sociedade é a nossa e que sociedade queremos, de facto, ter. Haja, enfim, um compromisso com o futuro.


*Ou contributo para o Rabbit's blog

4 Comments:

At 6/12/05 12:44 da tarde, Anonymous Anónimo said...

1. Acho que o ministro promete demais com a afirmação sobre a creche. Gostava de ver os dados exacto, mas diria que se baseia mais em dados históricos que em dados actuais em que quem punha os filhos na creche eram as classes mais altas (como é possível dizer que os "quem ouve ópera tem maiores rendimentos", mas não é ouvindo ópera que se enriquece).

Não para dizer que uma creche é mau, mas que os efeitos positivos são menores que o prometido.

 
At 6/12/05 12:45 da tarde, Anonymous Anónimo said...

2. Em Portugal quase não há política.

 
At 6/12/05 12:47 da tarde, Anonymous Anónimo said...

3. Não quero estratégias nacionais, venham de onde vierem e muito menos para a educação.

A única estratégia deve ser a ausência de estratégia e deixarmos (1) as escolas experimentarem [com limites, mas muito largos] e (2) os pais escolherem [sem limites].

 
At 6/12/05 12:51 da tarde, Anonymous Anónimo said...

4. Dizes

"quanto mais tempo perdermos a defender sectores que não têm defesa, pior" Suficientemente vago para todos concordarmos.

Não acho que seja suficientemente vago para todos concordarmos. Antes fosse, assim, podiam-se abrir as fronteiras às importações de calçado, comida e vestuário além de deixar fechar as fábricas da Marinha Grande que não cumprem para dar espaço a quem cumpre (no caso, a MGlass cumpriu e deveria ter começado a vender vidro estrangeiro com o seu design).

 

Enviar um comentário

<< Home