segunda-feira, novembro 07, 2005

Disciplina

Há uns tempos atrás, em conversa com um grande amigo (bem hajas tu, pá), comprometemo-nos num acordo mútuo. Ele não tinha de fazer nada e eu, bem, eu teria de cumprir um determinado compromisso. Combinámos que, caso falhasse, ele trataria de me obrigar a tomar um banho de mar, numa noite de inverno.

O compromisso nada tinha a ver com ele. Era uma espécie de solidariedade de amigo para o bem: não faças isso, que é mau para ti. caso contrário, serás punida.

Não cumpri o compromisso.

Ainda não tomei o banho de mar. E sei que não precisarei tomá-lo. Que o mais importante no nosso acordo era ele mostrar que me apoiava como amigo, sem me passar a mão pela cabeça, e eu mostrar que estava empenhada em qualquer coisa difícil de realizar.

Isto pôs-me a pensar se não deveria enfim ir tomar o tal banho de mar, como punição. Ou se ele me obrigaria mesmo a ir tomar o tal banho (quase impossível).

Com a ideia do gélido banho, pus-me a pensar nesta coisa da punição. A verdade é que, sei, que a maior punição de um "crime" não é o castigo, mas o "crime" em si, embora a culpa seja neste caso uma ideia alheia a mim.

Mas saberemos realmente isso? Poderemos realmente continuar sem a ideia de purga, de limpeza? O castigo, nesse sentido, é a maior consolação. De uma forma bem católica, sentimos que, se formos punidos, o nosso crime será menos grave. E por que precisamos da ideia de punição para nos disciplinarmos? Por que não cumprimos simplesmente com o que nos comprometemos?

Não, não tomarei o banho de mar. Não terei consolação nem me punirei pela minha indisciplina. No entanto, não permanecerei incólume.

8 Comments:

At 7/11/05 4:38 da tarde, Blogger ana said...

tenho uma mania irritante de, cada vez que alguém diz que tomou um banho de água fria, responder: "isso da água fria cria carácter". as pessoas costumam-me dar um safanão verbal ou físico, a mostrarem-me que não precisam de ainda mais carácter. eu fujo. por isso toma o banho de mar se gostares, eu cá gosto sp. faz-me sentir "corajosa", "inconformista".
não sei se a ideia de "crime e castigo" é apenas da cultura judaico-cristã, se está profundamente embebida numa forma económica de ver a vida: "cá se fazem cá se pagam".
acho que num outro comentário teu falaste de como nada é imperdoável, o que acho que é uma ideia profundamente cristã. o meu mano velho diz-me que perdoar é voltar a gostar.

quando fazemos um crime corremos esse risco, de não conseguirmos perdoarmo-nos, ou seja, de deixarmos de gostar, para sempre, de parte de nós. é o mais triste dos castigos.

não sei se vês essa indisciplina como um crime ou se este post foi meramente académico, mas se não foi académico, faz o que for preciso para te perdoares, algo que seja mais activo do que me parece o "não permanecerei incólume" (até pq esta palavra é dificil de se dizer, caraitas!)

cometer crimes dá pés de barro, e viver com pés de barro é mais arriscado, mas tb é sinal de que arriscámos mais por caminhos não sinalizados. (eheh, não tenho jeito pra metáforas, definitivamente)

 
At 7/11/05 5:01 da tarde, Blogger ana vicente said...

não acredito em pés de barro.
nem em punições.
acredito que as coisas não podem simplesmente passar por nós sem nos abalarem. por isso falei com a palavra difícil (incólume). porque o melhor de tudo que a vida me ensinou foi isso, a mudar-me, a tornar-me melhor, a fazer-me sentir, a dar-me calos. calos não são castigos, são forças, são marcas. gosto de marcas.

nesse sentido, é um post evangelista: não deixarei que as coisas me passem ao lado. desenvolverei o carácter, tornar-me-ei mais forte.

não é um post académico, é um post a favor da auto-disciplina sem punição (que às vezes parece uma utopia), a favor do compromisso, a favor do perdão cristão, sim. Por isso, pus "crime" entre aspas. não há crime nem nunca houve na minha vida (sou tão pretensiosa).
a ideia da punição dá-nos esquecimento em vez de nos enriquecer, acho que é isso.

caminhos não sinalizados é o meu nome do meio (comprido, hã?).

p.s. a água fria não cria carácter, xiça. dá dores de cabeça.

 
At 7/11/05 5:16 da tarde, Blogger ana said...

dores de cabeça???? coisa meramente pontual!
dá caracter sim senhora! e dá um calorzinho muita bom passados alguns segundinhos.

sim, concordo com isso, do efeito quase alienante e inconsequentemente-ego-cêntrico de algumas (se não todas) punições!

eh pá, se eu soubesse o que o teu "incólume" queria dizer isso nem tinha comentado. tás lá gaja!

 
At 7/11/05 5:31 da tarde, Blogger ana vicente said...

é porque é uma palavra difícil e eu estou muito à frente.

gosto dessa do "efeito quase alienante e inconsequentemente-ego-cêntrico de algumas (se não todas) punições!"

muito melhor que o meu nome do meio, mas um bocadinho maior de qq modo.

 
At 7/11/05 5:43 da tarde, Blogger ana said...

da-se! vai uma engenheira meter-se com uma filósofa, e é humilhada em bloga pública por não saber nem dizer nem perceber o que quer dizer "incólume" (meu deus, que palavra díficil, não me canso de dizer, quer dizer, não me canso de dizer que a palavra é dificil, pq só de imaginar dizer a palavra fico de rastos!)

de qq forma gosto muito da forma como abordaste o tema culpa-castigo. acho que devias escrever um livrito de auto-ajuda em que um dos capítulo se chamaria: "deixa-te de merdas" e abordaria a temática da inconsequência de algumas punições, e faria uma evangelização pró-integração de tudo o que a vida tem numa perspectiva construtivo-didática. ;-b

 
At 7/11/05 6:18 da tarde, Blogger ana vicente said...

gosto do "deixa-te de merdas".

e esse teu comentário deu-me uma ideia para uma anedota. ui!

 
At 8/11/05 11:00 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Chego tarde e ainda assim entrometo-me nesta conversa a dois... e ainda assim a única coisa que queria fazer era falar da "auto-chicotada" que são os banhos das correntes gélidas a banhar estas portuguesas costas. Só me faz lembrar que todos temos algo de masoquistas.

Eu é que não consigo ficar incólume só de pensar nessas aguas correr pelos meu pês. Fazer compromissos com amigos de esses é sempre um risco! Será que ele vai fazer exercer o seu direito?

Kardo

 
At 8/11/05 11:04 da manhã, Blogger ana vicente said...

Este meu amigo é muito especial e não corro riscos com ele... a não ser riscos positivos. Corro o risco de ter um amigo para a vida, provavelmente.

Ai, ai, que frio!

 

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