Disciplina
Há uns tempos atrás, em conversa com um grande amigo (bem hajas tu, pá), comprometemo-nos num acordo mútuo. Ele não tinha de fazer nada e eu, bem, eu teria de cumprir um determinado compromisso. Combinámos que, caso falhasse, ele trataria de me obrigar a tomar um banho de mar, numa noite de inverno.
O compromisso nada tinha a ver com ele. Era uma espécie de solidariedade de amigo para o bem: não faças isso, que é mau para ti. caso contrário, serás punida.
Não cumpri o compromisso.
Ainda não tomei o banho de mar. E sei que não precisarei tomá-lo. Que o mais importante no nosso acordo era ele mostrar que me apoiava como amigo, sem me passar a mão pela cabeça, e eu mostrar que estava empenhada em qualquer coisa difícil de realizar.
Isto pôs-me a pensar se não deveria enfim ir tomar o tal banho de mar, como punição. Ou se ele me obrigaria mesmo a ir tomar o tal banho (quase impossível).
Com a ideia do gélido banho, pus-me a pensar nesta coisa da punição. A verdade é que, sei, que a maior punição de um "crime" não é o castigo, mas o "crime" em si, embora a culpa seja neste caso uma ideia alheia a mim.
Mas saberemos realmente isso? Poderemos realmente continuar sem a ideia de purga, de limpeza? O castigo, nesse sentido, é a maior consolação. De uma forma bem católica, sentimos que, se formos punidos, o nosso crime será menos grave. E por que precisamos da ideia de punição para nos disciplinarmos? Por que não cumprimos simplesmente com o que nos comprometemos?
Não, não tomarei o banho de mar. Não terei consolação nem me punirei pela minha indisciplina. No entanto, não permanecerei incólume.
8 Comments:
tenho uma mania irritante de, cada vez que alguém diz que tomou um banho de água fria, responder: "isso da água fria cria carácter". as pessoas costumam-me dar um safanão verbal ou físico, a mostrarem-me que não precisam de ainda mais carácter. eu fujo. por isso toma o banho de mar se gostares, eu cá gosto sp. faz-me sentir "corajosa", "inconformista".
não sei se a ideia de "crime e castigo" é apenas da cultura judaico-cristã, se está profundamente embebida numa forma económica de ver a vida: "cá se fazem cá se pagam".
acho que num outro comentário teu falaste de como nada é imperdoável, o que acho que é uma ideia profundamente cristã. o meu mano velho diz-me que perdoar é voltar a gostar.
quando fazemos um crime corremos esse risco, de não conseguirmos perdoarmo-nos, ou seja, de deixarmos de gostar, para sempre, de parte de nós. é o mais triste dos castigos.
não sei se vês essa indisciplina como um crime ou se este post foi meramente académico, mas se não foi académico, faz o que for preciso para te perdoares, algo que seja mais activo do que me parece o "não permanecerei incólume" (até pq esta palavra é dificil de se dizer, caraitas!)
cometer crimes dá pés de barro, e viver com pés de barro é mais arriscado, mas tb é sinal de que arriscámos mais por caminhos não sinalizados. (eheh, não tenho jeito pra metáforas, definitivamente)
não acredito em pés de barro.
nem em punições.
acredito que as coisas não podem simplesmente passar por nós sem nos abalarem. por isso falei com a palavra difícil (incólume). porque o melhor de tudo que a vida me ensinou foi isso, a mudar-me, a tornar-me melhor, a fazer-me sentir, a dar-me calos. calos não são castigos, são forças, são marcas. gosto de marcas.
nesse sentido, é um post evangelista: não deixarei que as coisas me passem ao lado. desenvolverei o carácter, tornar-me-ei mais forte.
não é um post académico, é um post a favor da auto-disciplina sem punição (que às vezes parece uma utopia), a favor do compromisso, a favor do perdão cristão, sim. Por isso, pus "crime" entre aspas. não há crime nem nunca houve na minha vida (sou tão pretensiosa).
a ideia da punição dá-nos esquecimento em vez de nos enriquecer, acho que é isso.
caminhos não sinalizados é o meu nome do meio (comprido, hã?).
p.s. a água fria não cria carácter, xiça. dá dores de cabeça.
dores de cabeça???? coisa meramente pontual!
dá caracter sim senhora! e dá um calorzinho muita bom passados alguns segundinhos.
sim, concordo com isso, do efeito quase alienante e inconsequentemente-ego-cêntrico de algumas (se não todas) punições!
eh pá, se eu soubesse o que o teu "incólume" queria dizer isso nem tinha comentado. tás lá gaja!
é porque é uma palavra difícil e eu estou muito à frente.
gosto dessa do "efeito quase alienante e inconsequentemente-ego-cêntrico de algumas (se não todas) punições!"
muito melhor que o meu nome do meio, mas um bocadinho maior de qq modo.
da-se! vai uma engenheira meter-se com uma filósofa, e é humilhada em bloga pública por não saber nem dizer nem perceber o que quer dizer "incólume" (meu deus, que palavra díficil, não me canso de dizer, quer dizer, não me canso de dizer que a palavra é dificil, pq só de imaginar dizer a palavra fico de rastos!)
de qq forma gosto muito da forma como abordaste o tema culpa-castigo. acho que devias escrever um livrito de auto-ajuda em que um dos capítulo se chamaria: "deixa-te de merdas" e abordaria a temática da inconsequência de algumas punições, e faria uma evangelização pró-integração de tudo o que a vida tem numa perspectiva construtivo-didática. ;-b
gosto do "deixa-te de merdas".
e esse teu comentário deu-me uma ideia para uma anedota. ui!
Chego tarde e ainda assim entrometo-me nesta conversa a dois... e ainda assim a única coisa que queria fazer era falar da "auto-chicotada" que são os banhos das correntes gélidas a banhar estas portuguesas costas. Só me faz lembrar que todos temos algo de masoquistas.
Eu é que não consigo ficar incólume só de pensar nessas aguas correr pelos meu pês. Fazer compromissos com amigos de esses é sempre um risco! Será que ele vai fazer exercer o seu direito?
Kardo
Este meu amigo é muito especial e não corro riscos com ele... a não ser riscos positivos. Corro o risco de ter um amigo para a vida, provavelmente.
Ai, ai, que frio!
Enviar um comentário
<< Home