terça-feira, fevereiro 27, 2007

Terapia literária (porque hoje é um dia assim)

Há dias assim e ela sabia. Simplesmente sabia. Mesmo quando não estava a prever, os dias assim apareciam. Mesmo quando os antecipava e se protegia do assim desses dias, ele acontecia. Aí, a sua racionalização não chegava. A maior parte das vezes não eram assim tão fortes, estes dias assim, e por isso eram controláveis ou aparentemente controláveis. Trata-se tudo de uma questão de aparências, no fim de contas. E a expressão no fim de contas fazia rir, mesmo sem explicação aparente. De 28 em 28 dias, aproximadamente, cada caso é um caso, vinham dias assim. E os dias assim até tinham nome, um nome simples, mas quase científico, armadilhado, bem construído, que podia nem servir de desculpa, mas ao menos servia de consolo. Podia dizer: "É T.P.M., eu não sou assim". Mas isso não servia muito. Talvez servisse para se justificar aos outros, embora seja sempre um pouco embaraçante confessá-lo, como se só algumas o tivessem. Sim, porque há sempre quem diga que não tem. Até ela em tempos disse que o não tinha.
Enfim... há dias assim, pensou. E cerrou os dentes. Dos lábios dela saiu o murmúrio "vá, vem", como se pudesse controlar alguma coisa, mandar no corpo, nas hormonas, nos ovários, no óvulo e no seu amadurecimento, na descamação da parede do endométrio, enfim na expulsão da dita coisa, que se resumiria no final a uma coisa pastosa ensaguentada, ou pelo menos com esse aspecto, mas que provocaria o mais recompensante dos alívios, não da dor, mas dos dias assim. Sim, o que ela queria controlar era a expulsão. Queria ter a palavra final e poder dizer, por uma vez, "tu não me controlas". Mas sabia que era mentira e, por isso, confortava-se dizendo "há dias assim".
Não é fácil, deve o leitor constatar, para uma mulher adulta admiti-lo. "Ninguém", principalmente uma mulher que gosta de mulheres (e não falo necessariamente de lésbicas), quer assumir como fraqueza a sua realidade orgânica e hormonal. Nenhuma mulher emancipada, feminista, auto-suficiente, bem composta, bem comportada, politicamente correcta, control freak, vai assinar por baixo na frase "estou naqueles dias, dêem-me um desconto". Por isso é tão difícil assumi-lo. Principalmente se essa mulher se recusa a assumir fraquezas de uma forma geral. Principalmente se essa mulher não confia no que sente, mas apenas no que pensa.
E então ela cerra os dentes. E o texto vai longo porque é assim que ela sente esta espera. Demasiado longa a espera. E, pior, sempre com a mesma incerteza que se repete. "E se não for T.P.M.? E se ficar para sempre assim?" Não interessa quão tola seja essa dúvida, o que interessa é que ela existe e, como tal, gera a indefinição na mulher que não confia no que sente. "É ou não é? Sou eu ou é o ciclo?", repetirá para si até tudo passar.
E, no meio da incerteza, virá também a impossibilidade de se definir com os outros. Todos à sua volta, inclusive os que mais ama, estarão ao lado do que precisa, estarão errados, serão insensíveis, umas verdadeiras bestas. E a única coisa que ela espera é que não reconheçam os dias assim. Pois, quando os vêem, o que vem deles é a condescendência, sentimento adequado à situação, mas muito mal recebido por ela em dias assim. "Ah, estás com T.P.M" e o alívio do olhar exterior corresponde à assumpção da fraqueza, o que não é nada bom para ela em dias assim e noutros assim assim. Porque afinal, em dias assim, ela precisa é de uma guerra e não de um aliado trocista.
No final, quando se der a expulsão, ela sente-se finalmente nos pés que arranjou para si nos dias que não são assim. Imediatamente esquece-se dos dias assim, porque é difícil aprender com a experiência do assim desses dias. Recordam a violência infundada e o que em si não sabe controlar. Por isso, ela esquece. Volta o bom senso e a capacidade de ser racional. Voltam as racionalizações e a ilusão do controlo.
É por isso que ela, agora, diz para si "há dias assim" e reconhece que mais vale nem resistir, porque estes vão ser fortes. Cerra os dentes e espera.

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4 Comments:

At 28/2/07 9:31 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Nem sei que diga...gostei do texto, revi-me claro, ainda bem que não nos vimos hoje, como será a menopausa? a gravidez é uma coisa maravilhosa por tudo o que se sabe e pela ausência de tpm também e até já ( rezo para q já não queiras "guerra"!!!

;-)

bjs

 
At 28/2/07 9:33 da manhã, Anonymous Anónimo said...

e arrepiei-me de pensar que de vez em quando os tpm's se cruzam no mesmo tempo... das mulheres que gostam de mulheres...

 
At 28/2/07 10:25 da manhã, Blogger ana vicente said...

boa amiga, hoje apareceu-me um rato no quarto. o tpm parece-me de repente o paraíso. agora, tpm e rato no quarto é demasiado... demasiado...

 
At 28/2/07 4:03 da tarde, Anonymous Anónimo said...

xiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii
assim já é demaissssssssssssssss

 

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